“A quem o Direito do Trabalho deve proteger e o novo conceito
de subordinação
Autora: Yone Frediani
Com o surgimento das novas técnicas de produção a partir da
introdução da robótica e da informática, as relações entre trabalhadores e
empregadores sofreram modificações profundas que, refletiram, também, no
mercado de trabalho através do aparecimento de novas profissões.
Por outro lado, a globalização da economia, responsável pela
ampliação e internacionalização dos mercados produtores e consumidores, impôs
às empresas rígidas regras acerca da competitividade, produtividade, eficiência
e qualidade de seus produtos.
Considerados tais aspectos, constata-se que as atividades
executadas pelos trabalhadores autônomos representam, na atualidade, a opção
adotada por inúmeros prestadores de serviços que se dedicam ao comércio, à
consultoria, assessoria contábil, informática, vendas, e outras modalidades.
Examinando essa mesma questão, ensina o professor Amauri
Mascaro Nascimento que “o autônomo hoje não é mais apenas o autônomo clássico,
o profissional liberal, o médico, o advogado, o engenheiro, o arquiteto, o
dentista, a podóloga e tantos que exerçam uma atividade econômica por conta
própria porque os sistemas de produção de bens, de serviços, de produção de
informações, o avanço da tecnologia criou novas realidades com reflexos amplos
inclusive sobre as forma pelas quais o trabalho é prestado”.
Portanto, o desafio que se lança na atualidade é de que, de
acordo com as alterações havidas no mercado de trabalho e as novas formas de
prestação de serviços, a multiplicação de trabalhadores juridicamente autônomos
e economicamente independentes parecer ser irreversível, aos quais, certamente,
não poderão ser aplicadas as regras de proteção contidas na CLT, já que
destinadas àqueles que mantém contrato de trabalho.
Importante realçar, ainda, que os inúmeros contratos de
prestação de serviços autônomos existentes e os que são celebrados diariamente
nas mais diversas áreas, não podem ser considerados, genericamente, como fraude
à lei; ao contrário, representam a opção das partes que necessitam mutuamente
da prestação de serviços, usualmente, a diversos tomadores, sem vinculação a
qualquer um deles.
Necessário enfatizar, também, que a valorização do trabalho
independente ou autônomo não importa no afastamento dos princípios protetores
que inspiram o direito do trabalho, mas, na sua aplicação, tão somente, àqueles
que, verdadeiramente, trabalharam sob o regime de subordinação.
Não foi sem qualquer motivo que a EC 45/04, ampliando a
competência da Justiça do Trabalho, reconheceu a existência de modalidades
atípicas da prestação de serviços identificadas como “relação de trabalho”, às
quais o Magistrado, para resolver o conflito, aplicará a lei civil e não a
legislação consolidada, vez que não se trata de trabalho subordinado.
Diante de tais considerações é que se afirma que o conceito
de subordinação necessita ser revisto, reconstruído, remodelado a uma nova
realidade para que com ela se harmonize, posto constituir fato público e
notório o expressivo número de pessoas que trabalham em seu próprio domicílio,
fazendo sua própria jornada de trabalho em sintonia com seus interesses
pessoais e sem qualquer vinculação ao tomador de serviços.
Ressalte-se, ainda, que a aplicação da lei consolidada às
situações atípicas apresentadas no cotidiano, colide com a diversidade de
atividades autônomas existentes no mercado de trabalho, de que se utilizam as
grandes, médias e pequenas empresas, sem qualquer prejuízo ao prestador de
serviços autônomos, na medida que se reconhece que a subordinação nunca
existiu, porque não era do interesse das partes.
Por tais razões é que se propõe uma adequação do conceito
tradicional de subordinação às peculiaridades apresentadas no mercado de
trabalho atual, como forma de conferir maior dinâmica às relações de trabalho,
estimulando e desenvolvendo todas as formas de prestação de serviços legitimas,
idôneas e legalmente previstas pelo ordenamento pátrio.
Lembra-se que a subordinação tradicional corresponde à
relação de emprego, através da qual, o trabalhador encontra-se completa e
absolutamente sujeito às diretrizes decorrentes do poder diretivo de seu
empregador.
Contrariamente, o autônomo é caracterizado como o prestador
de serviços que atua, ainda que com pessoalidade e habitualidade, porém, sem
qualquer subordinação ou sujeição a quem o contratou, pessoa física ou
jurídica.
Nesse contexto, é importante não se perder de vista o fato de
que qualquer empresa, independentemente de seu porte ou área de atuação
depende, no seu cotidiano, de um conjunto de pessoas para atingir seus
objetivos, sendo oportuno lembrar a garantia constitucional da livre iniciativa
inserida no artigo 170 da CF/88, assegurando, exatamente, a possibilidade que o
empresário organize sua estrutura da maneira que lhe convier, desde que
respeitadas as demais normas legais aplicáveis a cada caso concreto.
Dessa forma, dentre os participantes desse “pequeno exército”
que integra a atividade empresarial, encontram-se empregados, prestadores de
serviços autônomos e eventuais, prestadores de serviços que atuam em empresas
especializadas tais como transportadoras, serviços de vigilância e limpeza,
empresas de assessoria logística, contábil, empresas de call center e de
tecnologia da informação, agências de publicidade, etc.
Por conseguinte, constitui fato público e notório que, é da
multiplicidade de conhecimentos e das atividades prestadas pelos mais diversos
profissionais que o empresário alcança seus objetivos sociais, não se valendo,
para tanto, somente de seus empregados.
Referidas considerações tornam-se necessárias diante da
constatação de uma certa tendência atual na aplicação da teoria da subordinação
estrutural para o reconhecimento da relação de emprego em relações autônomas.
Nesta hipótese, a singela adoção de referida teoria carece de suporte legal, na
medida em que tal como concebida pela doutrina, somente teria aplicação se o
trabalhador estivesse plenamente inserido na dinâmica da empresa, ou seja,
acolhido pela estrutura da empresa, na sua dinâmica de organização e
funcionamento.
Com efeito, se do contexto probatório resultar demonstrado
que o prestador de serviços agia na qualidade de “senhor de seu tempo e de suas
atividades”, dirigindo seu próprio negócio, incabível restaria o reconhecimento
da relação de emprego pelo simples fato deste executar atividades inerentes à
finalidade do empreendimento, visto que na situação apontada, não se fizeram
presentes nenhum dos elementos caracterizadores da relação de emprego
(subordinação clássica), nem, tampouco, os requisitos que poderiam inseri-lo na
estrutura e dinâmica da empresa (subordinação estrutural), posto que a relação
havida foi marcada pela total autonomia na prestação de serviços, sem que tal
fato possa sugerir fraude à lei ou precarização do trabalho.
Feitas tais considerações, considera-se de primordial
importância o justo, adequado e correto direcionamento de como e a quem aplicar
as regras celetistas, prestigiando-se e fortificando-se as novas e diversas
modalidades contratuais contemporâneas ao Terceiro Milênio.
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* Yone Frediani é desembargada aposentada do TRT da 2ª
região. Doutora em Direito do Trabalho PUC/SP. Mestre em Direito das Relações
do Estado PUC/SP; Mestre em Diretos Fundamentais/UNIFIEO; Professora de Direito
Individual e Coletivo do Trabalho e de Direito Processual do Trabalho nos
cursos de Pós-Graduação e Graduação da FAAP”.
Acesso: 9/11/2014
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