“Polêmica sobre guarda local de dados complica
votação do Marco Civil da internet
Governo argumenta que medida protege
informações dos cidadãos de ações de espionagem. Empresas de tecnologia
reclamam de alto custo para investir em centros de dados no Brasil
Claudia Tozetto - iG São Paulo | 05/11/2013
09:00:00
A mais recente polêmica que deve atrasar a votação do Marco Civil da
internet gira em torno de um artigo que obriga empresas a manter cópia dos dados dos usuários brasileiros em
centros de hospedagem (data centers) no
Brasil. O projeto de lei, que tramita em regime de urgência na Câmara do
Deputados desde as denúncias de espionagem do governo dos Estados Unidos a estrangeiros, tranca a pauta da Câmara desde a semana passada. A
votação está prevista para esta quarta-feira (6).
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Reprodução
Datacenter do
Google nos EUA: empresas resistem a construir centros de dados no Brasil, por
conta de alto custo
Defensores da
medida argumentam que um dos benefícios seria aumentar a proteção de dados de
cidadãos brasileiros contra espionagem realizada por empresas ou governos
estrangeiros.
Em julho deste ano,
logo após as primeiras denúncias de espionagem por parte do governo americano,
o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, afirmou que o Brasil tem que “ter
mecanismos de defesa do Estado, da soberania, e, sobretudo, para defender a
privacidade e a inviolabilidade das comunicações dos cidadãos”.
Segundo Percival
Henriques, presidente da Associação Nacional de Inclusão Digital (ANID), o
Brasil deve exigir uma contrapartida para que empresas de internet explorem o
mercado brasileiro, ainda que a medida não resulte em maior proteção aos dados
pessoais. “O Google e o Facebook têm grande receita de publicidade no Brasil,
mas é só falar em alguma obrigação que eles tiram o corpo fora. Eu concordo com
a posição do governo de obrigar essas empresas a fazerem investimentos no
Brasil”, diz Henriques.
Segurança jurídica
Os defensores da obrigatoriedade de hospedagem de dados no Brasil dizem
ainda que a nova regra poderia aumentar a segurança jurídica . Atualmente, grandes empresas de internet podem ser processadas em caso
de abusos se tiverem sede no País ou ser intimadas a quebrar o sigilo de um
usuário, no caso de uma investigação criminal. Contudo, em muitos casos, elas
dificultam o acesso aos dados solicitados pela Justiça, sob a alegação de que eles estão
armazenados no exterior e, portanto,
sujeitos a outra legislação.
“Com uma cópia dos dados no Brasil, essas empresas terão que cumprir a
lei brasileira e quebrar o sigilo do internauta a partir de uma solicitação da
Justiça”, diz Henriques, da ANID. Apesar de ser a favor da guarda dos dados no
Brasil, a ANID considera que a nova regra poderia ser discutida no âmbito do anteprojeto de lei de proteção de
dados pessoais para evitar atrasos na votação do
Marco Civil da internet. A proposta, que está sob responsabilidade do
Ministério da Justiça, ainda não tem data para ir à votação.
Alto custo preocupa empresas
O custo dos
datacenters no País é um dos principais desafios que o relator do projeto, o
deputado Alessandro Molon (PT-RJ), enfrenta para aprovar o novo texto do Marco
Civil da internet. A inclusão do artigo pedido pelo governo tem preocupado
entidades que reúnem empresas de tecnologia. Elas consideram alto o custo para
construir e operar datacenters no Brasil, quando comparado aos Estados Unidos e
outros países da América Latina.
De acordo com
estudo da Frost & Sullivan encomendado pela Brasscom, o investimento
inicial de uma empresa para montar um datacenter de porte médio no País
(incluindo espaço físico, servidores, software, refrigeração, energia e banda
larga) pode chegar a R$ 132 milhões (US$ 60,9 milhões). Este valor é 29,3%
superior ao necessário para construir instalações similares em Miami (EUA),
26,9% superior à Colômbia e 15,8% maior que no Chile. Para manter o datacenter
no ar, o gasto mensal no Brasil fica em torno de R$ 2 milhões.
“A opção racional seria
criar condições para que a construção e operação de datacenters no Brasil sejam
competitivas para grandes corporações. Quando o governo levantou a inclusão da
obrigatoriedade no Marco Civil, isso nos deixou frustrados”, diz Nelson
Wortsman, diretor de infraestrutura e convergência digital da Associação
Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom).
“O problema é a
cascata de impostos. Além dos que pagamos ao comprar os equipamentos, como IPI
e ICMS, também temos que arcar com outros tributos da área de serviços, como
ISS e PIS/Cofins”, diz Fernando Almeida Prado, diretor da Aceco TI, empresa de
construção de datacenters. De acordo com o estudo da Brasscom, a carga
tributária corresponde a 21,7% do total do investimento em um novo datacenter
no Brasil. No caso da operação do datacenter, a carga tributária consome 25,9%
da verba.
Outro argumento contra a guarda local dos dados é que a medida não garante imunidade contra
ações de espionagem , já que cópias dos
dados poderão ficar em servidores fora do Brasil. Além disso, 90% do tráfego de dados do País passa
por cabos submarinos nos Estados Unidos , o que torna as informações sujeitas à interceptação.
Fora dos planos
Grandes empresas de
internet, como Google e Facebook, não possuem datacenters no Brasil. O Google
mantém 12 datacenters em todo o mundo, sendo seis nos Estados Unidos, três na
Europa e três na Ásia. No final de 2012, o Google anunciou a construção do seu
primeiro datacenter na América Latina. As instalações da empresa no Chile, que
exigirão investimentos da ordem de R$ 320 milhões (US$ 150 milhões), devem
estar prontas até o final deste ano.
Até o momento, o
Google não manifestou interesse em construir um datacenter no Brasil. Em nota,
a empresa afirmou que possível exigência no Marco Civil de que as empresas de
internet mantenham os dados de usuários brasileiros no Brasil “arrisca limitar
o acesso dos usuários brasileiros a serviços de empresas dos EUA e outros
países”.
O Facebook, rede
social mais popular do mundo com mais de 1,2 bilhão de usuários, não revela
quantos datacenters tem no mundo, mas não há nenhum na América Latina. “O
armazenamento de dados é um desafio enorme e essencialmente técnico. Uma
exigência como essa frustrará a inovação e criará barreiras desnecessárias para
empresas nascentes”, informou o Facebook, em comunicado.
Mercado em expansão
Apesar dos
entraves, o Brasil deve concentrar R$ 47 bilhões em investimentos para criação
de novos datacenters entre 2013 e 2017. Somente neste ano, segundo o estudo da
Frost & Sullivan, as empresas devem investir R$ 4,3 bilhões em hardware e
software, R$ 1,6 bilhão em energia e refrigeração, R$ 1,3 bilhão em espaço
físico e R$ 500 milhões em infraestrutura de telecomunicações.
Outra consultoria
de mercado, a IDC, também acredita que os investimentos no mercado de
datacenter se manterão em alta nos próximos anos. “É um mercado que deve
crescer acima de 10% em 2013 e se manter nessa taxa de crescimento nos próximos
anos”, diz Alexandre Campos, diretor de consultoria da IDC. Entre as empresas
que mantém datacenters de grande porte no Brasil estão Alog, HP, IBM e Tivit,
além das operadoras de serviços de telecomunicações.
Constituição da web
O Marco Civil da internet, em discussão há dois anos, estabelece os
direitos e deveres dos usuários da rede no Brasil e foi criado pela Secretaria
de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça em parceria com o Centro de
Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Além da proteção à privacidade dos internautas, ele define regras para outros
temas polêmicos, como liberdade de expressão na web e garantia da neutralidade da rede .
Além do Brasil, a
exigência de armazenamento local de dados também é discutida em outros países,
porém para tipos específicos de dados pessoais dos internautas. De acordo com o
Comitê Gestor da Internet (CGI), a Austrália tem projetos para exigência de
armazenamento de dados de saúde localmente e a Coreia do Sul exige o
armazenamento de dados de transações financeiras no território coreano”.
Acesso:
5/11/2013/13

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