DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO. CITAÇÃO INVÁLIDA. AUSÊNCIA DE AVISO DE RECEBIMENTO OU RELATÓRIO DE ENTREGA DOS CORREIOS. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 16 DO TST.


Identificação

PROC. Nº TRT - (RO) - 0001548-35.2017.5.06.0014.
ÓRGÃO JULGADOR : PRIMEIRA TURMA.
RELATORA : DESEMBARGADORA MARIA DO SOCORRO SILVA EMERENCIANO.
RECORRENTE : FUNDAÇÃO MANOEL DA SILVA ALMEIDA.
RECORRIDO : SÉRGIO RICARDO DA SILVA.
ADVOGADOS : ANDRÉ LUIZ SIQUEIRA GOMES e IZABELLA VITORINO ALVES MAIA.
PROCEDÊNCIA : 14ª VARA DO TRABALHO DE RECIFE/PE.
EMENTA:

RECURSO ORDINÁRIO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO. CITAÇÃO INVÁLIDA. AUSÊNCIA DE AVISO DE RECEBIMENTO OU RELATÓRIO DE ENTREGA DOS CORREIOS. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 16 DO TST. Cediço que, na Justiça do Trabalho, faz-se desnecessária a citação pessoal, podendo esta ocorrer via postal, tal como estabelecido no art. 841, §1º, da CLT, desde que, por óbvio, assim ocorra no endereço correto da parte. Por outro lado, a ausência de aviso de recebimento ou relatório de entrega obtido junto ao site dos correios impede a comprovação da data de postagem e efetivo recebimento da citação pela demandada, afastando a presunção contida na Súmula 16 do TST. Recurso ordinário provido.

Vistos etc.
Trata-se de Recurso Ordinário interposto por FUNDAÇÃO MANOEL DA SILVA ALMEIDA contra a decisão proferida pelo MM. Juízo da 14ª Vara do Trabalho de Recife/PE, que julgou PROCEDENTES EM PARTE os pedidos formulados na reclamação trabalhista proposta por SÉRGIO RICARDO DA SILVA, ora recorrido, conforme fundamentação da sentença de ID. 30aec51.
No arrazoado de ID. afb6a30, a recorrente suscita a nulidade da sentença de primeiro grau, por violação ao devido processo legal e negativa de prestação jurisdicional, arguindo, em síntese, que não houve citação válida da reclamada para apresentar defesa no presente processo, e que não foi observada a reunião da presente reclamatória com a Ação de Consignação em Pagamento conexa, ajuizada sob o nº 0000256-15.2017.5.06.0014. Pede provimento.
Não foram apresentadas contrarrazões.
Não se fez necessária a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, em face do disposto na Resolução Administrativa de n° 05/2005, que alterou o art. 50 do Regimento Interno deste Regional.
É o relatório.
FUNDAMENTAÇÃO

VOTO:
DA ADMISSIBILIDADE:
Conheço do recurso interposto, por observadas as formalidades legais.
Considerações iniciais.
De logo, impende seja registrado que a reclamatória em exame foi ajuizada anteriormente à vigência da Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017), que ocorreu em 11/11/2017, de modo que entendo ser aplicável ao caso a legislação anterior (princípio tempus regit actum), para que se resguarde a segurança jurídica e não haja violação ao disposto nos artigos 14 do CPC/2015 ("A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.") e 5º, XXXVI, da CF/88 ("a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;").
Por certo que as normas processuais possuem aplicação imediata, inclusive em relação aos processos já em curso, contudo, algumas normas possuem natureza híbrida, ou seja, de direito material e processual, como é o caso, por exemplo, dos requisitos para concessão dos benefícios da justiça gratuita e dos honorários advocatícios. Nesses casos, sua aplicação somente pode ocorrer nas ações ajuizadas a partir da vigência da Lei nº 13.467/2017, visando preservar a segurança jurídica, bem como em observância ao princípio da não surpresa.
MÉRITO

Recurso da parte

DO MÉRITO:
Da Nulidade Processual ( nulidade da sentença).
A recorrente suscita a nulidade processual, requerendo a  nulidade da sentença proferida em primeiro grau, por violação ao devido processo legal e negativa de prestação jurisdicional, arguindo, em síntese, que não houve citação válida da reclamada para apresentar defesa no presente processo, e que não foi observada a reunião da presente reclamatória com a Ação de Consignação em Pagamento conexa, ajuizada sob o nº 0000256-15.2017.5.06.0014.
Pois bem.
No caso dos autos, a reclamada não compareceu à audiência inicial, designada para o dia 04.12.2018 (ata de ID. 2e940c8), razão pela qual a Magistrada de primeiro grau declarou a revelia da empresa ré e aplicou à empresa a confissão quanto à matéria fática, julgando parcialmente procedentes a ação, nos termos da sentença de ID. 30aec51.
Ocorre que, de fato, não é possível constatar nos autos a existência de citação válida da reclamada.
Como é cediço, a citação é o ato processual por meio do qual o réu toma ciência da ação contra ele ajuizada, com o propósito de oferecer sua defesa, de modo a resguardar os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, insculpidos no art. 5º, LV, da Constituição Federal, o que importa reconhecer que a sua existência é requisito de validade aos demais atos processuais que lhe sucedem, até porque, inexistindo o ato citatório, sequer se há de falar em correta formação da relação jurídica processual.
Neste sentido, os arts. 238 e 239 do CPC/2015, abaixo transcritos:
"Art. 238. Citação é o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual.
Art. 239. Para a validade do processo é indispensável a citação do réu ou do executado, ressalvadas as hipóteses de indeferimento da petição inicial ou de improcedência liminar do pedido."
No processo do trabalho, o art. 841, §1º, da CLT, dispondo sobre a notificação do réu, destaca que será feita por registro postal com franquia, ao consignar que:
"Art. 841 - Recebida e protocolada a reclamação, o escrivão ou secretário, dentro de 48 (quarenta e oito) horas, remeterá a segunda via da petição, ou do termo, ao reclamado, notificando-o ao mesmo tempo, para comparecer à audiência do julgamento, que será a primeira desimpedida, depois de 5 (cinco) dias.
§ 1º - A notificação será feita em registro postal com franquia. Se o reclamado criar embaraços ao seu recebimento ou não for encontrado, far-se-á a notificação por edital, inserto no jornal oficial ou no que publicar o expediente forense, ou, na falta, afixado na sede da Junta ou Juízo."
E, muito embora na Justiça do Trabalho a notificação da reclamada para vir se defender apresente peculiaridade que a diferencia daquela expedida no processo comum, pois a notificação inicial é expedida automaticamente e remetida para o endereço informado na petição inicial, através dos correios, mediante registro postal com franquia (art. 841, § 1º, da CLT), em evidente celeridade processual, tal procedimento não pode trazer incertezas quanto à regularidade do ato processual, de forma a resguardar o exercício do contraditório e da ampla defesa.
Desse modo, se houver dúvida, por menor que seja, sobre o recebimento da referida notificação, o processo deve ser anulado, haja vista que a relação processual triangular (Autor, Juiz e Réu), não chegou a se formar validamente.
Na hipótese vertente, muito embora conste dos autos a realização de notificação postal, com código de rastreamento JT786397081BR, tendo como destinatária a empresa ré (ID. 132f344), não foi juntado ao processo o relatório de rastreamento postal, tampouco qualquer certidão da Secretaria ou outro documento hábil a comprovar o efetivo recebimento da citação pela demandada. Registro, ainda, que já não é  possível consultar o código de rastreamento no sítio eletrônico dos correios, uma vez que, como sabido, tais informações somente ficam disponíveis por até 180 dias após a data de postagem.
Com efeito, no caso dos autos, sequer há confirmação da efetiva postagem e entrega da citação. Assim, exigir que a empresa pudesse comprovar que não foi notificada e, desse modo, atender a regra da Súmula nº 16 do TST, seria impor à reclamada provar que um fato não aconteceu, ou seja, prova negativa, o que não se admite no nosso ordenamento jurídico.
Assim, a ausência de aviso de recebimento ou relatório de entrega obtido junto ao site dos correios impede a comprovação da data de postagem e efetivo recebimento da citação pela demandada, afastando a presunção contida na Súmula 16 do TST.
Nesse sentido, inclusive, já decidiu esta E. Turma, quando do julgamento do RO nº 0001212-38.2015.5.06.0002, em 30.11.2017, e do ROS nº 0000472-82.2017.5.06.0011, em 23.08.2018, ambos de minha relatoria.
O mesmo entendimento foi adotado pelo Tribunal Pleno deste Regional, conforme precedente a seguir transcrito:
"DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO. AÇÃO RESCISÓRIA. CITAÇÃO INVÁLIDA. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA Nº 16 DO C. TST. AÇÃO RESCISÓRIA PROCEDENTE. É de conhecimento geral que a citação é o ato processual por meio do qual o réu toma ciência da ação contra ele ajuizada, com o propósito de oferecer sua defesa, de modo a resguardar os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, insculpidos no art. 5º, LV, da Carta Magna, o que importa reconhecer que a sua existência é requisito de validade aos demais atos processuais que lhe sucedem, até porque, inexistindo o ato citatório, sequer se há de falar em correta formação da relação jurídica processual. Por outro lado, também cediço que, na Justiça do Trabalho, faz-se desnecessária a citação pessoal, podendo esta ocorrer via postal, tal como estabelecido no art. 841, §1º, da CLT, desde que, por óbvio, assim ocorra no endereço correto da autora. A ausência de aviso de recebimento ou comprovante de entrega obtido junto ao site dos correios impede a comprovação da sua data de postagem e de recebimento pela reclamada, afastando a presunção estabelecida na Súmula nº 16 do C. TST. Ação Rescisória que se julga procedente." (Processo: AR - 0000578-77.2017.5.06.0000, Redator: Andrea Keust Bandeira de Melo, Data de julgamento: 16/10/2018, Tribunal Pleno, Data da assinatura: 24/10/2018)
Dessa forma, evidenciado que a reclamada não foi regularmente intimada para apresentar defesa e comparecer à audiência inaugural, tenho por configurado o vício de citação, com ofensa aos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, o que enseja o provimento do presente recurso ordinário.
Por fim, entendo que também assiste razão à recorrente, no tocante à alegação de que não foi observado o disposto no art. 55 e seus parágrafos, do CPC/2015.
Com efeito, na decisão de ID. 67cae78, o MM. Juízo de primeira instância reconheceu a conexão da presente reclamatória com a Ação de Consignação de Pagamento, ajuizada pela ora demandada em 23.02.2017, e autuada sob o nº 0000256-15.2017.5.06.0014, razão pela qual determinou a distribuição do processo por dependência, nos termos dos artigos 54, 55 e 286, I, combinados com o art. 58 do CPC/2015.
E por certo que, nos termos do art. 55, § 1º, do CPC, "Os processos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta, salvo se um deles já houver sido sentenciado".
Cumpre registrar, ainda, que até a presente data não foi proferida sentença no processo nº 0000256-15.2017.5.06.0014, o qual inclusive encontra-se suspenso, aguardando o julgamento do presente recurso ordinário, conforme decisão da Magistrada que presidiu a sessão de audiência do dia 14.02.2019, verbis: "Considerando a existência de recurso na reclamação trabalhista onde se discute a nulidade dos atos, determino a suspensão do andamento processual desta ACP, até o transito em julgado da reclamação trabalhista 1548/2017 desta Vara.".
Assim, diante da conexão das ações em questão, já reconhecida na decisão de prevenção de ID. 67cae78, deverá ser observada a reunião dos processos para julgamento conjunto, na forma do que dispõe o art. 55, §1º, do Código de Processo Civil.
Diante de tais considerações, dou provimento ao recurso para reconhecer a nulidade da citação inicial da FUNDAÇÃO MANOEL DA SILVA ALMEIDA, determinando a anulação de todos os atos processuais praticados posteriormente e o retorno dos autos à Vara de origem, a fim de que a reclamada seja devidamente citada, bem como seja observada a conexão e reunião da presente reclamatória com a Ação de Consignação em Pagamento nº 0000256-15.2017.5.06.0014, nos termos da fundamentação supra.
Item de recurso

Conclusão do recurso

DA CONCLUSÃO:
Diante do exposto, conheço do recurso ordinário, e, no mérito, dou provimento ao recurso para reconhecer a nulidade da citação inicial da FUNDAÇÃO MANOEL DA SILVA ALMEIDA, determinando a anulação de todos os atos processuais praticados posteriormente e o retorno dos autos à Vara de origem, a fim de que a reclamada seja devidamente citada, bem como seja observada a conexão e reunião da presente reclamatória com a Ação de Consignação em Pagamento nº 0000256-15.2017.5.06.0014, nos termos da fundamentação supra.
ACÓRDÃO

Cabeçalho do acórdão

Acórdão

ACORDAM os Desembargadores da 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Sexta Região, por unanimidade, CONHECER do recurso ordinário, e, no mérito, por unanimidade, DAR PROVIMENTO ao recurso para reconhecer a nulidade da citação inicial da FUNDAÇÃO MANOEL DA SILVA ALMEIDA, determinando a anulação de todos os atos processuais praticados posteriormente e o retorno dos autos à Vara de origem, a fim de que a reclamada seja devidamente citada, bem como seja observada a conexão e reunião da presente reclamatória com a Ação de Consignação em Pagamento nº 0000256-15.2017.5.06.0014, nos termos da fundamentação supra.
Recife (PE), 16 de agosto de 2019

 MARIA DO SOCORRO SILVA EMERENCIANO
Desembargadora Relatora


                                                
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
 Certifico que, em sessão ordinária hoje realizada, cuja pauta foi publicada no Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho - DEJT de 02.08.2019, sob a presidência da Exmª. Srª. Desembargadora MARIA DO SOCORRO SILVA EMERENCIANO (Relatora), com a presença do Ministério Público do Trabalho da 6ª Região, representado pela Exma. Sra. Procuradora, Dra. Elizabeth Veiga, e dos Exmos. Srs. Desembargadores Ivan de Souza Valença Alves e Sérgio Torres Teixeira, resolveu a 1ª Turma do Tribunal, por unanimidade, CONHECER do recurso ordinário, e, no mérito, por unanimidade, DAR PROVIMENTO ao recurso para reconhecer a nulidade da citação inicial da FUNDAÇÃO MANOEL DA SILVA ALMEIDA, determinando a anulação de todos os atos processuais praticados posteriormente e o retorno dos autos à Vara de origem, a fim de que a reclamada seja devidamente citada, bem como seja observada a conexão e reunião da presente reclamatória com a Ação de Consignação em Pagamento nº 0000256-15.2017.5.06.0014, nos termos da fundamentação supra.
Certifico e dou fé.
Sala de Sessões, 16 de agosto de 2019.

Vera Neuma de Moraes Leite
                                                Secretária da 1ª Turma

Assinatura


No mesmo sentido:

Processo
Órgão Julgador
Nona Turma
Relator
Ricardo Antonio Mohallem


Processo
APL 0004993-53.2017.8.08.0047
Órgão Julgador
TERCEIRA CÂMARA CÍVEL
Publicação
16/02/2018
Julgamento
6 de Fevereiro de 2018
Relator
SAMUEL MEIRA BRASIL JUNIOR




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