“O ERRO MÉDICO É CULPOSO OU DOLOSO?

O nosso Código Penal adota a teoria finalista da ação e com a reforma de sua Parte Geral, em 1984, passou a ser imprescindível a distinção entre dolo e culpa.

Ao se falar em dolo, é preciso dizer que existem três teorias que procuram estabelecer o conteúdo do dolo: a da vontade, a da representação e a do consentimento.

Para a teoria da vontade, age com dolo todo aquele que pratica a ação consciente e voluntariamente.

Para a teoria da representação, age dolosamente também aquele que tem a simples previsão do resultado, embora não se possa negar a existência da vontade na ação. Mas o que importa nesse caso é a inteligência do agente, a sua consciência de que, ao agir, sua conduta, se não bem executada, poderá produzir o resultado.

Um pouco diferente é a teoria do assentimento, onde faz parte do dolo à previsão do resultado a que o agente adere, não sendo necessário que ele queira tal resultado. Assim, existiria dolo quando o agente simplesmente consente em causar o resultado ao praticar a conduta.

Logo, pelo que se vê nossa legislação adotou a teoria da vontade, para o dolo direito, e a do consentimento, para o chamado dolo eventual.

E assim está no Código Penal, no artigo 18: “Diz-se o crime: doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”.

É na segunda parte do dispositivo que o legislador enfrentou o dolo eventual.

Por outro lado, ainda existe o chamado tipo culposo, qual seja aquele em que o agente deu causa ao resultado por impudência, negligência ou imperícia.

Sem adentrar em cada uma das modalidades do tipo culposo, cabe relacionar os elementos de tal tipo: a conduta, a inobservância dos cuidados objetivos necessários, o resultado lesivo involuntário.

É claro que se pode estabelecer com razoável convicção que erro médico é um crime culposo.

Mas, por outro norte, baseado na avaliação dos tipos, parece perfeitamente configurável tal prática delitual como crime doloso, na sua forma eventual.

Dolo eventual ocorre quando o agente assume o risco de produzir um resultado, mesmo que indesejável. Ora, o médico, quando escolheu o ofício e fez juramento sagrado, sobretudo assumiu o risco de lidar com “vidas humanas”, estando perfeitamente consciente que poderá errar e produzir um resultado indesejável se não agir com a devida cautela.

Quando um cirurgião vai realizar ou está realizando uma cirurgia, sabe que, se cortar um órgão ou uma artéria errada, provocará um resultado que não era o inicialmente pretendido, mas que fatalmente ocorrerá. Portanto, corre o risco de produzir tal evento, e quando assumiu o ônus de desempenhar tal missão, junto assumiu o risco de produzir o resultado indesejado, mas bastante possível.

É absolutamente necessário que se cobre de nossos profissionais da área médica o absoluto respeito à vida humana e que saibam cumprir com rigor a tarefa a que se propuseram. A preparação profissional deve ser cada vez mais precisa, pois os problemas de saúde se avolumam e se agravam.

Igualmente, deve haver real repressão ao erro médico, para que o faltoso seja tão severamente punido quanto o é outro ser humano que erra.

O médico não pode errar, tem sobretudo a obrigação de acertar. Quando ocorre, como resultado de atos médicos, a lei prevê a reparação de dano, restrições impostas ao exercício profissional e a punição penal, pois o erro pode ser evitável ou inevitável: o primeiro da lugar à culpa e o inevitável, ao caso fortuito.

Obviamente, a intenção dessas palavras não é a de condenar todo e qualquer médico ou profissional da área da saúde que eventualmente erre, pois cada caso concreto terá suas peculiaridades, que deverão ser levadas em conta quando se fizer valer a prestação jurisdicional. Por isso, também há que se cobrar de nossos julgadores a exata aplicação da justiça e, sempre que possível, da lei, missão talvez mais difícil, pois também se está a julgar outro bem que tem tamanha importância para o ser humano: a sua liberdade.

O erro médico é difícil de ser apurado. Todas as provas, as evidências e todos os documentos que auxiliem na sua análise devem ser buscados.

O trabalho do advogado nesta fase é muito importante. Ele terá de ser muito hábil nesta fase de aparelhamento do processo, fazendo um papel investigatório que pode levar ao sucesso ou ao fracasso da lide.

Por isso a necessidade de reflexões como essa que apresento, são justamente não para se aplicar friamente a lei, mas para sopesar e levar em consideração que, no caso concreto, o erro médico pode ser tão ou mais odioso do que um erro cometido por um ser humano comum”.

Bibliografia

ALCANTARA, Hermes Rodrigues – A Responsabilidade Médica – Editora José Konfino – 1ª edição – Rio de Janeiro – 1971.

ALMEIDA JR., A. – Lições de Medicina Legal – Editora Nacional de Direito – 3ª edição – Rio de Janeiro – 1948.

PACHECO, Newton – O erro médico: Responsabilidade Penal – Editora Livraria do Advogado – 1ª edição – Porto Alegre – 
1991.


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