RESPONSABILIDADE OBJETIVA. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. TORTURA. REPRESSÃO POR PARTE DOS AGENTES DO ESTADO. MÉTODOS DESUMANOS DE TRATAMENTO AO INDIVÍDUO DETIDO PELO APARATO ESTATAL QUE EXTRAPOLAM AS FUNÇÕES DO PODER DE POLÍCIA. DANOS MORAIS CARACTERIZADOS. QUANTUM. IMPRESCRITIBILIDADE RECONHECIDA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Direito Privado. Indenização. Dano Moral. Fixação. Critério. Quantum. Majoração. Cabimento. Professor. Tortura Psicológica. Ditadura Militar. Responsabilidade Civil do Estado. Princípio da dignidade humana. Considerações. Legitimidade passiva. Prescrição quinquenal. Alcance. Limite. Direitos e garantias fundamentais. Imprescritibilidade.
APELAÇÕES CÍVEIS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. TORTURA. REPRESSÃO POR PARTE DOS AGENTES DO ESTADO. MÉTODOS DESUMANOS DE TRATAMENTO AO INDIVÍDUO DETIDO PELO APARATO ESTATAL QUE EXTRAPOLAM AS FUNÇÕES DO PODER DE POLÍCIA. DANOS MORAIS CARACTERIZADOS. QUANTUM. IMPRESCRITIBILIDADE RECONHECIDA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. LEGITIMIDADE PASSIVA. Da legitimidade passiva 1. A legitimidade está calcada na exordial nos prejuízos morais experimentados pela autora em razão da tortura experimentada durante a ditadura militar, fatos estes que ocorreram na sede da Polícia Civil Estadual, não sendo necessária maior análise quanto a responsabilidade do demandado nesse momento, sob pena de adentrar no mérito da contenda, o que será objeto de análise a seguir. Da imprescritibilidade dos direitos e garantias fundamentais 2. Não merece reparo a decisão singular que afastou a prefacial de prescrição do direito de ação, porquanto constatada a imprescritibilidade da demanda que visa reparar danos morais decorrentes de tortura praticada durante período de exceção do Estado, cujos agentes públicos extrapolaram os poderes de polícia, utilizando métodos desumanos para obter objetivos escusos. 3. Com efeito, adotar a prescrição qüinqüenal com base no Decreto nº 20.910 de 1932 é destituir a força normativa da Constituição, e reconhecer a aplicabilidade de norma de conteúdo valorativo inferior em detrimento de princípio de maior valor consagrado na Carta Magna. 4. A dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, e a tortura o mais expressivo atentado a esse pilar da República, de sorte que reconhecer a imprescritibilidade dessa lesão é uma das formas de dar efetividade à missão de um Estado Democrático de Direito, reparando odiosas desumanidades praticadas na época em que o país convivia com um governo autoritário e a supressão de liberdades individuais consagradas. 5. Constata-se a existência de um núcleo essencial de direitos fundamentais que não permite ser atingido por qualquer tipo de interpretação, e o princípio orientador desse núcleo será justamente o princípio da dignidade da pessoa humana. Desta forma, somente será possível limitar um direito fundamental até o ponto de o princípio da dignidade da pessoa humana não for agredido, porquanto existem direitos fundamentais considerados absolutos. 6. A vedação a tortura deve ser considerada um direito fundamental absoluto, pois a mínima prática de sevicias já é capaz de atingir frontalmente a dignidade da pessoa humana. Nesse sentido é o proclamado no art. 2º da declaração sobre a proteção de todas as pessoas contra a tortura, que dispõe que todo ato de tortura ou outro tratamento ou pena cruel, desumano ou degradante constitui uma ofensa à dignidade humana e será condenado como violação dos propósitos da Carta das Nações Unidas e dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais Proclamados na Declaração Universal de Direitos Humanos. Assim, rejeita-se a prefacial de prescrição, pois este instituto é incompatível com o tema em discussão, na medida em que versa sobre direito inalienável sem prazo para o exercício. Mérito do recurso em exame 7. O Estado do Rio Grande do Sul tem responsabilidade de ordem objetiva pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, no termos do § 6º do art. 37 da CF. 8. O Estado demandado apenas se desonera do dever de indenizar caso comprove a ausência de nexo causal, ou seja, prove a culpa exclusiva da vítima, fato exclusivo de terceiro, caso fortuito ou força maior. 9. Presente nos autos a conduta ilícita dos agentes responsáveis pela investigação, porquanto agiram com flagrante excesso ao poder de polícia, salvaguardados pelo regime ditatorial vigorante à época. 10. Com relação ao direito à indenização, a prática de tortura restou devidamente evidenciada nos autos, consubstanciado na prática de tortura psíquica, cujo nexo causal também restou inconteste quanto a ter ocasionado os danos de ordem psicológica da parte autora. 11. Portanto, no caso dos autos configurada a prática do delito hediondo de tortura por parte dos agentes públicos, os quais teriam a responsabilidade de garantir a incolumidade física e mental do cidadão mediante o poder de polícia, e não ao contrário, ocasionar a mais vil das lesões ao espírito humano, ou seja, submeter determinada pessoa, impotente e desprotegida, as sevicias de um estado totalitário e sem respeito às garantias mínimas que asseguram o direito à vida e à dignidade humana, princípios estes subjugados por uma violência irracional e desproporcional. 12. Há que se destacar, ainda, que infringir a determinada pessoal após a prisão irregular desta, com base em motivação ideológica e não jurídica, a vigilância e ameaças constantes, é, também, condená-la ao medo de exercer a sua liberdade mínima de cidadã, ou seja, de pensar diferente dos mandatários do poder ou mesmo sonhar com o porvir melhor, mata-se aqui a esperança, cala-se a alma de quem acredita numa sociedade igualitária, decorrendo deste abuso de poder o direito a reparação moral pelo dano ocasionado. 13. No que tange à prova do dano moral por se tratar de lesão imaterial, desnecessária a demonstração do prejuízo, na medida em que possui natureza compensatória, minimizando de forma indireta as conseqüências da conduta do demandado, decorrendo aquele do próprio fato. Conduta ilícita do demandado que faz presumir os prejuízos alegados pela parte autora, é o denominado dano moral puro. 14. O valor da indenização a título de dano moral deve levar em conta questões fáticas, como as condições econômicas do ofendido e do ofensor, a extensão do prejuízo, além quantificação da culpa daquele, a fim de que não importe em ganho desmesurado. Afastadas as preliminares suscitadas, negado provimento ao apelo do demandado e dado provimento ao recurso da autora.
Apelação Cível, nº  70060551827 , Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luiz Lopes do Canto, Julgado em 27/08/2014.

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