“Furto de cartão de crédito - Inexigibilidade de dívida

Juizado Especial Cível de Contagem
Processo: 0079.08.436971-3
Requerente:  Geralda Magela Fonseca Pinto 
 
Requerido  :  Banco Santander S/A
 


                    SENTENÇA



    Dispensado o relatório, nos termos do art. 38 da Lei 9099, de 1995, passo ao resumo dos fatos relevantes.

    GERALDA MAGELA FONSECA PINTO ajuizou a presente ação em face de BANCO SANTANDER S/A aduzindo, em síntese, que é titular de cartão de crédito administrado pelo banco requerido, sendo que em junho de 2008 teve o referido cartão furtado na cidade de Belo Horizonte.  Alegou que terceiro, utilizando seu cartão, realizou compras em vários estabelecimentos totalizando um valor de R$ 948,53 que não é de sua responsabilidade. Requereu o cancelamento das cobranças, a restituição do valor pago, anulação das parcelas a vencer das mencionadas compras e indenização por danos morais.
 

    O banco requerido apresentou contestação escrita aduzindo, em síntese, que a autora não cuidou de comunicar o furto e, portanto, permanece responsável pelas compras. Acrescentou inexistir dano a ser indenizado. Requereu a improcedência do pedido inicial.
 

    Este o resumo do essencial. DECIDO.
   
 
Presentes as condições da ação e os pressupostos processuais, passo ao exame do mérito.

    Pretende a autora a declaração de inexigibilidade de débito alegando que não realizou as compras lançadas em eu cartão de crédito em 19/06/2008, uma vez que teve o cartão de crédito furtado.
 

    Vale ressaltar, de início, que existe uma relação jurídica de consumo entre a autora e o réu, enquadrando-se os litigantes nos conceitos de consumidor e fornecedor, nos termos dos artigos 2º e 3º, § 2º, da Lei 8.078, de 1990, devendo, pois, aquele diploma legal ser aplicado à espécie.
 
   
 
    É cediço que o consumidor tem responsabilidade pela guarda do seu cartão de crédito, devendo comunicar à administradora qualquer evento deflagrado com o mesmo, seja furto, roubo, extravio ou outra hipótese qualquer. Entretanto, somente terá condições de fazê-lo a partir do momento em que tomar conhecimento do ocorrido, o que pode ser concomitante ou não com o próprio evento.

    Se se tratar de subtração violenta, muito provavelmente, o consumidor terá ciência imediata do desapossamento do cartão, podendo, em tal circunstância, comunicar à Administradora rapidamente o acontecido.

    Havendo, porém, extravio ou furto, é bastante plausível que o titular do cartão de crédito somente venha a perceber o ocorrido após receber a respectiva fatura.

    Não seria razoável exigir do consumidor que arcasse com as despesas realizadas após o furto de seu cartão, já que não tem meios efetivos de barrar a atitude do terceiro que se utiliza de seus documentos.
   
 
Já a Administradora possui tais meios ou deveria possuí-los, assim como as lojas que realizam as vendas, mediante a conferência das assinaturas.
   
 
De toda forma, as administradoras de cartões de crédito são brindadas com o lucro oriundo da atividade, devendo assumir os riscos daí decorrentes, e não transferi-los ao consumidor.
   
 
Nesse sentido já se manifestou o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais em casos análogos ao dos autos:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - CARTÃO DE CRÉDITO - EXTRAVIO - ATRASO DA COMUNICAÇÃO - COMPRAS EFETUADAS - INCIDÊNCIA DO CDC - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - FATO DE SERVIÇO - DANO MATERIAL - DEVOLUÇÃO EM DOBRO DA QUANTIA PAGA INDEVIDAMENTE - DANO MORAL - INEXISTÊNCIA. Venho considerando que o estatuto consumerista aplica-se a todas as operações bancárias, porquanto o produto da instituição financeira é exatamente o dinheiro ou crédito, sendo irrelevante que sejam eles utilizados diretamente pelo correntista, através de empréstimo, ou utilizados como capital de giro (fomento mercantil). A demora na comunicação do furto do cartão de crédito não exime a administradora de culpa, vez que a prova evidencia que ela teria sido inócua em face da falta de cautela do serviço prestado, que não atentou para a assinatura dos comprovantes de compra. Tendo o serviço sido prestado de forma ineficiente dando ensejo à efetivação de compras através de cartão de crédito por terceiro, responde a administradora pelo mal fornecimento de seu serviço. Assim, a responsabilidade é objetiva e respondem os apelados independentemente de culpa, salvo prova inequívoca de ter o evento ocorrido por fato exclusivo do titular. Vale dizer, o risco é da administradora, que o assumiu no momento em que se propôs a fornecer o serviço. A teoria do risco, destarte, consolidou-se no sentido de que o risco da prestação do serviço é totalmente do fornecedor. É cediço que o mero incômodo, aborrecimento e desconforto de algumas circunstâncias que o homem médio tem de suportar em razão do cotidiano não servem para a concessão de indenização por danos morais. (Apelação Cível nº 434.768-0, Quarta Câmara DOMINGOS COELHO - Relator, ANTÔNIO SÉRVULO - Revisor e JOSÉ FLÁVIO ALMEIDA – Vogal). Grifei.

INDENIZAÇÃO - DANOS MORAIS - CARTÃO DE CRÉDITO - PERDA - UTILIZAÇÃO POR TERCEIRO - CDC - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. - A administrador do cartão de crédito, como prestador de serviços, responsável pelo credenciamento e abertura de crédito, responde, solidariamente, com o estabelecimento comercial pelos danos causados por defeitos relativos à prestação de serviços ao consumidor. Trata-se de responsabilidade objetiva pelo fato do ser-viço, fundada na teoria do risco do empreendimento. (Apelação Cível Nº 403.700-5, Segunda Câmara Cível  -ALBERTO ALUÍZIO PACHECO DE ANDRADE (Relator), PEREIRA DA SILVA (Revisor) e EVANGELINA CASTILHO DUARTE (Vogal)).

    No caso em tela, ao contrário do afirmado pelo requerido, a autora providenciou o boletim de ocorrência no dia seguinte ao furto (f. 17), antes mesmo de receber a fatura com as cobranças indevidas.
 

Quanto a comunicação à administradora do cartão, o próprio requerido afirmar ter ocorrido um mês após, aproximadamente, portanto, à data de vencimento da fatura.
 

Não há dessa forma, nenhuma culpa exclusiva a ser imputada à consumidora.
 

    Além disso, o requerido não afirma ou comprova, em momento algum, que tenha sido a compra realizada pela autora, atraindo para si o ônus da impugnação especificada.
 

    Por essas razões, legítima a pretensão da autora em ver canceladas as cobranças e lhe restituído o valor indevidamente pago. Neste ínterim, vale esclarecer que o juiz é limitado, em seu decidir, pelo pedido do autor, razão pela qual acato como devido à restituição o valor de R$ 948,53 (f. 08). 
 

    Na mesma forma, procede o pedido de cancelamento da terceira parcela das compras feitas na Retífica Canaan Ltda. e na Fast Rodas.

    Quanto ao pedido de indenização por danos morais, igual sorte não assiste a autora.
 
       
 
Embora tenha o requerido agido ilicitamente, sua conduta não foi suficiente a atingir, de forma significativa, a esfera psicológica da autora.
 

Não há qualquer comprovação nos autos de ter o nome da autora sido incluído no cadastro de maus pagadores ou de qualquer outro constrangimento efetivamente experimentado.
 

Meras cobranças indevidas, sem repercussão no mercado de consumo, não são aptas a embasar reparação por dano moral. Do contrário, estaríamos banalizando o instituto consagrado pela Constituição para situações graves, onde a moral, a honra do cidadão sejam, de fato, vilipendiadas.
 

Os transtornos do dia-a-dia devem ser tolerados.
 

Tenho, portanto, pela não comprovação do requisito do dano necessário ao acolhimento do pedido reparatório.
 

    Por todo o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos iniciais, para:

a) declarar a inexistência dos débitos do cartão de crédito de titularidade de GERALDA MAGELA FONSECA PINTO, administrado pelo BANCO SANTANDER S/A, em relação às compras efetuadas no dia 19.06.2008, no valor de R$ 984,53 (novecentos e oitenta e quatro reais e cinquenta e três centavos);

b) condenar o requerido a restituir à autora a quantia de R$ 984,53  (novecentos e oitenta e quatro reais e cinquenta e três centavos), devidamente corrigida pelos índices da Corregedoria Geral de Justiça desde a data do desembolso (14/07/2008) e acrescida de juros de mora de 1% ao mês a contar da citação;

c) declarar a inexigibilidade da terceira parcela relativa às compras efetuadas no dia 19/06/2008, nos estabelecimentos Retífica Canaan Ltda. (R$ 133,34) e Fast Rodas (R$ 216,68).
 

    Em relação ao requerido Romero Gil Supermercado Ltda., extingo o processo sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, III, do CPC.
 

    Sem custas e honorários advocatícios, nos termos do art. 55 da Lei 9.099/95.

    Defiro à autora os benefícios da justiça gratuita.

    Publique-se. Registre-se. Intime-se. Cadastrem-se os procuradores da requerida apresentados à f. 40, devendo, em nome desses, ser publicada a decisão.

    Proceda a Secretaria à retificação da numeração das páginas do processo. 
 

Contagem, 27 de janeiro de 2010”.
 


                Cibele Mourão Barroso de Figueiredo Oliveira
                                                      Juíza de Direito
 

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