(Processo
Judicial Eletrônico)
“A validade da
trasladação em documentos e necessidade de manutenção dos documentos originais
Débora Pessoa Mundim, Felipe Zanetti
Prado e Paola Karina Ladeira
1. Introdução
A presente nota
jurídica tem por objetivo analisar a legalidade e validade jurídica dos
documentos trasladados para o meio eletrônico, bem como a segurança jurídica na
adoção desse procedimento e descarte dos documentos físicos haja vista a
regulamentação legal da matéria pela lei 12.682/12.
Referida discussão contempla especial relevância no momento atual da sociedade
brasileira e do meio jurídico que está vivenciando um período de transição para
a era digital, seja pela implantação do processo judicial eletrônico, seja pela
ampliação do uso da certificação digital nos atos da vida civil.
2. A legalidade da trasladação
A trasladação com fé pública é o processo pelo qual mídias digitais,
contendo imagens geradas pela trasladação do acervo documental em papel, são
registradas em Cartório de Registro de Títulos e Documentos, para fins de
guarda e conservação perpétua de seu conteúdo. Trata-se, portanto, de uma
espécie de "cópia autenticada" em meio digital.
O processo de
trasladação é assegurado pela lei de registros públicos (lei 6.015/73)
e tem sua legalidade positivada no artigo 142, capitulo III[1] . Ainda, sua
devida utilização é assegurada pela lei 8.935/94 em
seu capítulo III, art. 41[2] .
Mais recentemente, a lei 12.682/12 regulamentou a elaboração e o
arquivamento de documentos em meios eletromagnéticos e deu as diretrizes pelas
quais o procedimento de trasladação seria regido. Referida lei busca dar
efetividade e regulamentar as leis mencionadas anteriormente, sendo esta última
específica e aplicada em caso de controvérsia sobre a matéria.
Todavia, não obstante a existência dos referidos dispositivos legais a
validade dos documentos transladados para o meio digital e notadamente a
possibilidade de descarte dos documentos físicos são aspectos que ainda geram
controvérsias.
1.1 Do desfazimento dos documentos originais físicos // Segurança
Jurídica
A partir da análise das disposições legais que relativas ao procedimento
de transladação, pode-se inferir que inexiste disposição legal que autorize o
desfazimento dos documentos originais (via física) submetidos ao procedimento
de trasladação. Ao contrário, o artigo 6°[3] da lei 12.682/12 dispõe que os
registros públicos originais devem ser preservados de acordo com a legislação
vigente.
Nestes moldes, mister esclarecer que a lei de registros públicos, em seu
art. 127, VII[4] , estabelece que a transcrição feita pelo cartório poderá ter a
finalidade de conservação do documento original já que a cópia autenticada
teria valor equivalente aos originais. Todavia, tal lei não previu a
possibilidade de arquivamento apenas no meio digital.
É notório que a lei 12.682/12conferiu validade ao documento virtual após
devidamente registrado em cartório. Não obstante, nada dispôs sobre a
existência autônoma do documento em meio digital.
Neste caso e considerando que o entendimento acerca do assunto não está
consolidado em razão da novidade do procedimento, ainda não é possível afirmar,
com segurança se a posterior impressão do documento trasladado seria equiparada
ao documento original, por exemplo, para fins de instrução de processos
judiciais ou fiscalização pela Receita Federal.
Não obstante a implantação do processo eletrônico no âmbito do Poder
Judiciário, não é raro encontrar magistrados que criam óbices à utilização de
documentos digitais ou a validade destes por não haverem se adequado a tal
modalidade. Ademais, o processo eletrônico ainda não está totalmente implantado
de forma que os processos físicos ainda são a maioria no Poder Judiciário
brasileiro.
Desta feita, considerando que a aceitação de documentos eletrônicos em
processos judiciais físicos depende da interpretação e avaliação do julgador –
permeada por critérios de subjetividade – existem riscos no descarte da
documentação original depois do processo de trasladação o que corrobora com a
necessidade de conservação dos originais em meio físico.
Corroborando com tal posicionamento, existem inúmeros julgados em que o
Poder Judiciário exige a apresentação de documentos originais notadamente
quando a cópia - ainda que autenticada – tem sua validade/autenticidade
contestada pela parte contrária. Nesse sentido, citam-se os seguintes julgados:
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL - APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE EXECUÇÃO - INTIMAÇÃO
PARA EMENDA - RESPOSTA DO AUTOR - PRECLUSÃO NÃO VERIFICADA - TÍTULO EXECUTIVO -
PRESENÇA - APRESENTAÇÃO DO TÍTULO ORIGINAL - DESNECESSIDADE - RECURSO PROVIDO E
SENTENÇA CASSADA.
Se a intimação para emenda da inicial foi respondida pelo autor, embora
divergindo da posição do Juiz, não se há falar em preclusão.
A apresentação da cédula de crédito bancário original não é
indispensável à propositura da execução, vez que é dever da instituição
financeira a guarda dos contratos firmados, mormente quando não há qualquer
impugnação ao seu conteúdo.
Recurso conhecido e provido. Sentença cassada. V.V. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO
DE EXECUÇÃO. ORDEM DE EMENDA DA INICIAL. JUNTADA DO TÍTULO ORIGINAL OU CÓPIA
AUTENTICADA. DESCCUMPRIMENTO. AUSÊNCIA DE RECURSO. PRECLUSÃO. EXTINÇÃO DO
FEITO. POSSIBILIDADE. INTIMAÇÃO PESSOAL. DESNECESSIDADE.
Tendo transitado em julgado a decisão que determinou que a parte autora
emendasse a inicial, juntando documento o título original ou sua cópia
original, deve ser mantida a sentença que julgou extinto o feito, se a parte
autora não cumpriu a ordem nem dela recorreu.
(Apelação 0576152-06.2012.8.13.0024 (1), TJMG, Data do Julgamento
26/03/2013)
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO - CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO -
TÍTULO EXECUTIVO ORIGINAL - DESNECESSIDADE - CÓPIA REPROGRÁFICA - SUFICIÊNCIA.
A execução fundada em contrato de empréstimo bancário pode ser instruída com
cópia do documento, o qual, por não ter circulação no mercado, não enseja
perigo de nova execução.
V.V DO REVISOR: EMENTA: EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL -
JUNTADA DE CÓPIA - INADIMISSIBILIDADE - NECESSIDADE DE JUNTADA DO TÍTULO
EXECUTIVO ORIGINAL
- A juntada da via original do título executivo extrajudicial é
requisito essencial à formação válida do processo de execução. (Agravo de
Instrumento Cv 1.0024.12.276876-5/001, TJMG, Data do Julgamento 26/03/2013.)
Diante dos arestos supra, resta claro que no âmbito do Poder Judiciário
é altamente recomendada a manutenção dos documentos originais em via física
ainda que estes tenham sido submetidos ao procedimento de trasladação.
Tal entendimento é reforçado pelo fato de que foi vetado o artigo 2º[5] da lei
12.682/12 que dispunha sobre a possibilidade dos documentos físicos serem
destruídos.
Nas razões do veto pode-se concluir que ter sido adotado entendimento de
que os documentos físicos devem ser mantidos para casos de futuras
discordâncias acerca da sua validade jurídica, vejamos:
"Ao regular a
produção de efeitos jurídicos dos documentos resultantes do processo de
digitalização de forma distinta, os dispositivos ensejariam insegurança
jurídica. Ademais, as autorizações para destruição dos documentos originais
logo após a digitalização e para eliminação dos documentos armazenados em meio
eletrônico, óptico ou equivalente não observam o procedimento previsto na
legislação arquivística.
A proposta utiliza,
ainda, os conceitos de documento digital, documento digitalizado e documento
original de forma assistemática. Por fim, não estão estabelecidos os
procedimentos para a reprodução dos documentos resultantes do processo de
digitalização, de forma que a extensão de efeitos jurídicos para todos os fins
de direito não teria contrapartida de garantia tecnológica ou procedimental que
a justificasse."
Nesses moldes, no atual cenário pode-se dizer que é temerário o descarte
dos documentos originais depois de submetidos ao procedimento de trasladação
haja vista que estes podem ser requeridos em procedimentos de fiscalização ou
em processos judiciais, bem como porque a lei que regulamenta a trasladação não
autoriza o descarte dos documentos físicos.
Por fim, é necessário frisar que outras leis estabelecem casos
específicos em que somente poderão ser considerados válidos o documento
original, como é o caso dos títulos de crédito[6] . Nestes casos, a trasladação
poderá ser utilizada como forma de arquivo e consulta do documento mas os
efeitos jurídicos advindos do título exigem a apresentação dos originais (via
física e assinada).
2. Conclusão
Por todo exposto, conclui-se serem plenamente válidos os documentos
trasladados para o meio eletrônico notadamente porque a matéria contempla
previsão legal lei 6.015/73.
Todavia, considerando que as leis que dispõe sobre o procedimento e
validade da trasladação não autorizam o descarte dos documentos físicos,
permanece necessária a manutenção dos originais de tais documentos”.
______________
[1] Art. 142. O registro integral dos documentos consistirá na
trasladação dos mesmos, com a mesma ortografia e pontuação, com referência às
entrelinhas ou quaisquer acréscimos, alterações, defeitos ou vícios que tiver o
original apresentado, e, bem assim, com menção precisa aos seus característicos
exteriores e às formalidades legais, podendo a transcrição dos documentos
mercantis, quando levados a registro, ser feita na mesma disposição gráfica em
que estiverem escritos, se o interessado assim o desejar.
[2] Art. 41. Incumbe aos notários e aos oficiais de registro praticar,
independentemente de autorização, todos os atos previstos em lei necessários à
organização e execução dos serviços, podendo, ainda, adotar sistemas de
computação, microfilmagem, disco ótico e outros meios de reprodução.
[3] Art. 6°Os registros públicos originais, ainda que digitalizados,
deverão ser preservados de acordo com o disposto na legislação pertinente.
[4] Art. 127No Registro de Títulos e Documentos será feita a
transcrição(...)VII - facultativo, de quaisquer documentos, para sua
conservação.
[5]Art.2º(VETADO).É autorizado o armazenamento, em meio eletrônico
óptico ou equivalente, de documentos públicos e privados, seja neles compostos
por dados ou imagens, observadas as disposições constantes desta Lei e da
regulamentação específica.
§1º.Após a digitalização, constatada a integridade do documento digital,
o original poderá ser destruído, ressalvados os documentos de valor histórico,
cuja preservação deverá observar a legislação pertinente.
§2º.O documento digital e sua reprodução, em qualquer meio, procedida de
acordo com o disposto nesta Lei terão o mesmo valor probatório do documento
original, para todos os fins de direito.
[6]“Do conceito do título de crédito se pode extrair a referência ao
princípio da cartularidade, segundo o qual o exercício dos direitos
representados por um título de crédito pressupõe a sua posse. Somente quem
exibe a cártula (isto é, o papel em que se lançaram os atos cambiários
constitutivos de crédito) pode pretender a satisfação de uma pretensão
relativamente ao direito documentado pelo título. Quem não se encontra com o
título em sua posse não se presume credor. (...)” COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de
direito comercial, volume 1: direito de empresa. 14º ed. São Paulo: Saraiva,
2010. Pág.382
___________
* Paola Karina
Ladeira e Débora Pessoa Mundim são advogadas e Felipe Zanetti Prado é
estagiário do escritório Chenut
Oliveira Santiago Sociedade de Advogados.
http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI180366,31047-A+validade+da+trasladacao+em+documentos+e+necessidade+de+manutencao.
Acesso: 16/6/2013
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