Breves considerações do Direito no Egito.

A Constituição do Egito
Seis meses após se tornar o primeiro presidente do Egito a conquistar o poder pelas urnas, o islamita Mohamed Mursi venceu de novo ao aprovar, com pouco debate, uma Constituição redigida por seus aliados religiosos. O referendo em apoio ao texto suscitou protestos violentos e acusações de fraude, o que ampliou o cisma entre adeptos e opositores da Irmandade Muçulmana, grupo de Mursi.
Apesar de delinear-se um arcabouço legal mais conservador, não se justifica, por enquanto, o pavor da classe média egípcia, endossado pela opinião pública ocidental, de que o Egito caminha em direção à teocracia após livrar-se da ditadura secular de Hosni Mubarak (...)
Menções à preservação da ordem pública e dos ‘valores morais’ soam como ameaça potencial às liberdades civis e individuais. A liberdade de culto só é garantida para outras ‘religiões divinas’ (cristianismo e judaísmo), o que suscita temor em seitas menores.
O texto assevera que todos os cidadãos, homens e mulheres, são iguais perante a lei. Em matérias como casamento e herança, minorias religiosas prosseguirão sob a alçada dos respectivos cleros.
A nova Constituição promete ainda independência do Judiciário e liberdade de imprensa. Mas arbitragens em questões legais caberão à Universidade Al Azhar, epicentro intelectual do islã sunita, conhecida pela tradição moderada.
Por controversa que seja, a Constituição de Mursi reflete um novo pacto entre a maior parte dos egípcios e seus governantes. Todas as consultas nas urnas desde a queda de Mubarak, incluindo a eleição dos parlamentares que definiram a composição da Constituinte, indicam que a força política mais popular, coesa e organizada é a Irmandade Muçulmana”.

Mas o que é maioria? No referendo da constituição citada acima, dois terços dos eleitores aprovaram a nova norma, mas menos de um terço votou. Isso significa que, de fato, a carta foi aprovada não por dois terços, mas por meros 21% dos eleitores (63,8% x 32,9%). Pouco mais de um em cada cinco eleitores. Um quinto da população aprovou algo que terá efeito em cem por cento da população. Isso é democracia?

Óbvio que se os outros dois terços podiam votar e não compareceram às urnas porque foram impedidos de fazê-lo, o processo não foi democrático e o resultado não é legítimo. Isso acontece com frequência em dezenas de países, e o problema é óbvio. Mas não é o que nos interessa aqui. O que nos interessa são os outros dois problemas igualmente graves, mas que são menos debatidos:

Primeiro, como tratar quem podia votar mas resolveu ficar em casa? Afinal, ele poderia (ou deveria?) escolher, mas se omitiu. E sua omissão teve um efeito direto no resultado. Lembre-se, por exemplo, do que aconteceu na primeira eleição do presidente George W. Bush, quando ele foi eleito na Flórida – o Estado que efetivamente decidiu as eleições – com uma diferença de apenas 537 eleitores.

Deveríamos forçar essas pessoas a votarem? Mas se elas não estão nem aí com o resultado, é legítimo diluir o voto daquelas que realmente se importam com o voto e estudam as propostas dos candidatos com aqueles que prefeririam ter ido à praia e não sabem em quem estão votando?

Em outras palavras, o que é mais democrático: forçar alguém que não se importa a votar e com isso reduzir o valor do voto de quem realmente se importa, ou submeter quem não se importa aos resultados oriundos de sua omissão?

Não se esqueça, por exemplo, que no Brasil temos o voto obrigatório (aliás, entre as 10 maiores economias democráticas, é a única na qual o voto é obrigatório). 

O segundo problema é como tratar uma grande quantidade de pessoas que querem votar, não podem votar, mas estão sujeitas aos resultados da votação alheia.

Pense no caso dos presos brasileiros: não podem votar enquanto estiverem cumprindo suas penas, mas os resultados das eleições recaem sobre eles. Quem é eleito fará leis - inclusive leis execuções penais e orçamentárias - que afetarão os condenados. Imagine que elejamos um Congresso no qual a maioria dos deputados decida cortar pela metade o orçamento para cobertores ou comida nas prisões. O resultado das eleições seria legítimo?

Se você acha que preso merece todo o sofrimento do mundo, ainda que desumano, então pense em outros exemplos, nos quais a definição de quem pode votar depende da cor da pele, religião, tamanho do patrimônio, sexo ou mesmo nacionalidade. Não estamos falando de uma ditadura no Oriente Médio: todos esses critério já foram ou são usados no Brasil. As mulheres, por exemplo, só passaram a votar na década de 1930. E os estrangeiros podem morar no Brasil, pagam seus impostos, têm filhos brasileiros, mas não podem votar. Nós, brasileiros, votamos em pessoas que fazem normas que os afetam diretamente. Podemos considerar isso legítimo?

Em São Paulo ou Rio os imigrantes ainda não conseguiriam eleger um prefeito, mas o percentual cresce e em breve podemos ter que decidir questões como Cingapura, na qual mais de 18,3% dos residentes são estrangeiros, ou uma cidade como Londres, na qual mais de um terço nasceu no estrangeiro (na área central da cidade, esse número pula para mais de 40%). Se incluímos essas pessoas no processo democrático, os resultados são imediatamente afetados. Se não os incluímos, eles não têm voz na definição das normas que os afetam direta e indiretamente.””

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