Direito Penal na Noruega.
“CRIME E CASTIGO
Noruega consegue reabilitar 80% de seus criminosos
A ação criminal contra o ativista de
extrema-direita Anders Behring Breivik despertou a atenção dos americanos e do
mundo para as "prisões de luxo" da Noruega. No princípio, os
americanos ficaram horrorizados com a ideia de que o "monstro da
Noruega" fosse parar em um estabelecimento correcional, cujas celas são
bem melhores do que qualquer dormitório universitário dos Estados Unidos. Uma
apresentadora de uma emissora de TV repetiu a zombaria que mais se ouvia no
país: "Eu quero ir para a Noruega cometer um crime" (Veja o vídeo).
Mas as autoridades norueguesas se explicaram a jornalistas americanos e
ingleses. Hoje, os proponentes da reforma do sistema prisional dos EUA, há
muito debatida, miram-se no exemplo da Noruega. Em termos de resultados, os
obtidos pela Noruega são bem melhores.
A taxa de reincidência de prisioneiros libertados
nos Estados Unidos é de 60%. Na Inglaterra, é de 50% (a média europeia é de
55%). A taxa de reincidência na Noruega é de 20% (16% em uma prisão apelidada
de "ilha paradisíaca" pelos jornais americanos, que abriga
assassinos, estupradores, traficantes e outros criminosos de peso). Os EUA têm
730 prisioneiros por 100 mil habitantes. Essa taxa é bem menor nos países escandinavos:
Suécia (70 presos/100 mil habitantes), Noruega (73/100 mil) e Dinamarca (74/100
mil). Mais ao Sul, a europeia Holanda tem uma taxa de 87/100 mil, e uma
situação peculiar: o sistema penitenciário do país tem "capacidade
ociosa" e celas estão disponíveis para aluguel. A Bélgica já alugou espaço
em uma prisão da Holanda para 500 prisioneiros. Ou seja, o melhor espelho para
os interessados de qualquer país em melhorar seus próprios sistemas, está na
Escandinávia e arredores, não nos Estados Unidos.
A diferença entre os países está nas teorias que
sustentam seus sistemas de execução penal. Segundo o projeto de reforma do
sistema penal e prisional americano, descritos na Wikipédia, eles se baseiam em três teorias: 1) Teoria da
"retribuição, vingança e retaliação", baseada na filosofia do
"olho por olho, dente por dente"; assim, a justiça para um crime de
morte é a pena de morte, em sua expressão mais forte; 2) Teoria da dissuasão (deterrence) que é uma retaliação contra o criminoso e uma
ameaça a outros, tentados a cometer o mesmo crime; em outras palavras, é uma
punição exemplar; por exemplo, uma pessoa pode ser condenada à prisão perpétua
por passar segredos a outros países ou a pagar indenização de US$ 675 mil
dólares a indústria fonográfica, como aconteceu com um estudante de Boston, por
fazer o download e compartilhar 30 músicas – US$ 22.500 por música;
3) Teoria da reabilitação, reforma e correição, em que a ideia é reformar deficiências
do indivíduo (não o sistema) para que ele retorne à sociedade como um membro
produtivo.
As duas primeiras explicam o sistema penal e o
sistema prisional dos Estados Unidos. Existem esforços para implantar e manter
programas de reabilitação, mas eles constituem exceção à regra. Na Noruega, a
terceira teoria é a regra. Isto é, a reabilitação é obrigatória, não uma opção.
Assim, o "monstro da Noruega", como qualquer outro criminoso
violento, poderá pegar a pena máxima de 21 anos, prevista pela legislação penal
norueguesa. Se nesse prazo, não se reabilitar inteiramente para o convívio
social, serão aplicadas prorrogações sucessivas da pena, de cinco anos, até que
sua reintegração à sociedade seja inteiramente comprovada.
"Fundamentalmente, acreditamos que a
reabilitação do prisioneiro deve começar no dia em que ele chega à
prisão", explicou a ministra júnior da Justiça da Noruega, Kristin
Bergersen, à BBC. "A reabilitação do preso é do maior interesse público,
em termos de segurança", disse. O sistema de execução penal da Noruega
exclui a ideia de vingança, que não funciona, e se foca na reabilitação do
criminoso, que é estimulado a fazer sua parte através de um sistema progressivo
de benefícios — ou privilégios — dentro das instituições penais. O país tem
prisões comuns, sem o mau cheiro das prisões americanas, dizem os jornais, e
duas "instituições" que seriam lugares para se passar férias, não
fosse pela privação da liberdade: a prisão de Halden e a prisão de Bostoy, em
uma ilha.
Halden Fengsel
Qualquer projeto de construção de edifícios, na Noruega, reserva pelo menos 1% do orçamento para a arte. A construção da prisão de Halden foi concluída com obras do artista grafiteiro Dolk em um muro do pátio e toilettes, que incluiu mais de R$ 2 milhões no orçamento. As paredes dos corredores do prédio são cobertas por quadros enormes, de flores a ruas de Paris, e azulejos de Marrocos. A prisão foi construída em uma área de floresta, em blocos que "servem de modelo ao chique minimalista", descreve a BBC. A prisão já ganhou prêmios de "melhor design interior", com uma decoração que tem mesas de laminado branco, sofás de couro tangerina e cadeiras elegantes espalhadas pelo prédio (Clique aqui para ver as fotos).
Qualquer projeto de construção de edifícios, na Noruega, reserva pelo menos 1% do orçamento para a arte. A construção da prisão de Halden foi concluída com obras do artista grafiteiro Dolk em um muro do pátio e toilettes, que incluiu mais de R$ 2 milhões no orçamento. As paredes dos corredores do prédio são cobertas por quadros enormes, de flores a ruas de Paris, e azulejos de Marrocos. A prisão foi construída em uma área de floresta, em blocos que "servem de modelo ao chique minimalista", descreve a BBC. A prisão já ganhou prêmios de "melhor design interior", com uma decoração que tem mesas de laminado branco, sofás de couro tangerina e cadeiras elegantes espalhadas pelo prédio (Clique aqui para ver as fotos).
A prisão tem ainda estúdio de gravação de músicas,
ampla biblioteca, chalés para os detentos receberem visitas da família, ginásio
de esporte, com parede para escalar, campo de futebol e oficinas de trabalho
para os presos. Tem trabalho (com uma pequena remuneração), cursos de formação
profissional, cursos educacionais (como aulas de inglês para presos
estrangeiros, porque os noruegueses em Halden já são todos fluentes). No
entanto, a musculação não é um esporte permitido porque, segundo os
noruegueses, desperta a agressividade nas pessoas. Promover muitas atividades
esportivas, educacionais e de trabalho aos detentos é uma estratégia.
"Presos que ficam trancados, sem fazer nada, o dia inteiro, se tornam
muito agressivos", explica o governador da prisão de Halden, Are Hoidal.
"Não me lembro da última vez que ocorreu uma briga por aqui",
afirma.
Dizer que o um criminoso já está atrás das grades
pode ser uma afirmação falsa. As celas da prisão de Halden não têm grades. Têm
amplas janelas, com vistas para a floresta, e bastante luminosidade. As celas
individuais são relativamente maiores do que a de muitos hotéis europeus, têm
uma boa cama, banheiro com vaso sanitário decente, chuveiro, toalhas brancas
grandes e macias e porta. Tem, ainda, televisão de tela plana, mesa, cadeira e
armário de pinho, quadro para afixar papéis e fotos, além de geladeiras. Os
jornais dizem que, de uma maneira geral, são acomodações bem melhores do que
quartos para estudantes universitários nos EUA. E é normal que prisioneiros
portem suas próprias chaves. As celas são separadas em blocos: oito celas em
cada bloco (os blocos mantêm separados, por exemplo, os estupradores e
pedófilos que, também na Noruega, não são perdoados pelos demais
detentos).
Cada bloco tem sua cozinha. A comida é fornecida
pela prisão, mas é preparada pelos próprios detentos. Eles podem comprar
ingredientes na loja da prisão para refeições especiais. Podem comprar, por
exemplo, de pasta de wasabi para fazer sushi a carne de primeira (por R$ 119 o quilo), com
contribuições de todos que se sentam à mesa — normalmente, grupos de dez. Os
livros mais emprestados na biblioteca de Halden são os de culinária. Os presos
também podem ir à loja para reabastecer suas geladeiras nas celas com iogurtes
e queijos, por exemplo. No restaurante, membros do staff da prisão (incluindo os graduados), sempre
desarmados, sentam-se à mesa com os presidiários.
Para cuidar de 245 detentos, os 340 "membros
do staff" passaram por dois anos de preparação para o
cargo em uma faculdade, no mínimo. E entre eles, há profissionais da saúde e
professores. São homens e mulheres, ainda jovens, que percorrem
"sorridentes" o campus da prisão de Halden emscooters modernos,
de duas rodas, com funções bem definidas, como as de coordenar as atividades e
servir de orientadores, motivadores e modelos para os detentos, diz o
governador da prisão. Uma das obrigações fundamentais de todos os membros do staff, a começar pelo governador, é mostrar respeito às
pessoas que estão ali, em todas as situações. A equipe entende que ao mostrar
muito respeito ao detento, ele vai aprender a se respeitar. Quando isso
acontecer, ele vai estar preparado para respeitar os outros.
A prisão de Halden foi projetada para incorporar a
ideia que os noruegueses têm de execução penal, diz a Time Magazine. A pena é a privação da liberdade. Não é o
tratamento cruel, que só torna qualquer pessoa em criminoso mais endurecido,
diz o governador de Halden. O objetivo é a reabilitação, não a vingança. Mas,
os esforços de reabilitação não são exclusivos do sistema. Os detentos são
obrigados a mostrar progressos nos treinamentos de qualificação profissional e
de reabilitação, para ter direito a desfrutar das "prisões mais humanas do
mundo". Se, ao contrário, quebrarem as regras ou se recusarem a fazer sua
parte nos esforços de reabilitação, podem regredir para prisões
tradicionais.
Se a defesa de Breivik, o "monstro da Noruega",
for bem-sucedida e ele pegar uma pena de 21 anos prisão — em vez de ser
considerado mentalmente insano e ser enviado para um manicômio judiciário, como
quer a promotoria — ele dificilmente vai aterrissar em Halden ou na ilha de
Bastoey. Elas não têm alas de segurança máxima. Ele deve permanecer em um
prisão Ila, em Oslo, que já foi, no passado, um campo de concentração nazista,
movimento com o qual ele se identifica. E esse é seu destino mais provável,
porque o governo da Noruega anunciou nesta quarta-feira (27/6) planos para
construir uma ala psiquiátrica nessa prisão, noticiou o Washington Post. Mas, caso venha a ser um candidato à reabilitação
social no futuro, poderá terminar na prisão de Halden ou, melhor ainda para
ele, na prisão de Bastoy.
Prisão de Bastoy
Para chegar a "paradisíaca" ilha de Bastoy, é preciso fazer uma viagem de uma hora de balsa, que é conduzida quase que exclusivamente por detentos. Os visitantes — não os familiares dos presos que embarcam com a ajuda dos detentos — se perguntam por que eles não aproveitam a oportunidade para fugir, diz uma reportagem da Vice TV, repercutida pela CNN. Não registros de tentativas de fuga de Bastoy, como não há da prisão de Halden. Os detentos dessas prisões estão negociando seu reingresso na sociedade, não o regresso para prisões comuns (Veja algumas fotos de Bastoy em reportagem do Mail Online).
Para chegar a "paradisíaca" ilha de Bastoy, é preciso fazer uma viagem de uma hora de balsa, que é conduzida quase que exclusivamente por detentos. Os visitantes — não os familiares dos presos que embarcam com a ajuda dos detentos — se perguntam por que eles não aproveitam a oportunidade para fugir, diz uma reportagem da Vice TV, repercutida pela CNN. Não registros de tentativas de fuga de Bastoy, como não há da prisão de Halden. Os detentos dessas prisões estão negociando seu reingresso na sociedade, não o regresso para prisões comuns (Veja algumas fotos de Bastoy em reportagem do Mail Online).
Os detentos vivem, em pequenos grupos, em espécies
de chalés espalhados pela ilha, com quartos individuais, cozinha completa,
televisão de tela plana e todos os confortos de uma casa pequena. O lugar tem
uma grande biblioteca, escola, sala de música, sala de cinema, sala de
ginástica, capela, loja, enfermaria, dentista, oficinas para conserto de
bicicletas (o meio de transporte dos presos pela ilha) e de outros
equipamentos, carpintaria, serviços hidráulicos, estábulo (onde os prisioneiros
cuidam dos animais), campo de futebol, quadra de tênis e sauna. Trabalham no
estábulo, na oficina, na floresta e nas instalações do prédio principal,
praticam esportes, fazem cursos, pescam, nadam na praia exclusiva da
"prisão" e tomam banho de sol no verão — para o inverno, há uma
máquina de bronzear.
A comida é preparada e servida pelos detentos e
todos se sentam às mesas em companhia dos guardas, funcionários administrativos
e do governador da prisão. Todos os recém-chegados passam uma semana em uma
casa-dormitório com 18 quartos, fazendo um curso intensivo sobre como viver em
Bastoy: aprendendo as regras, a cozinhar, a limpar e a conviver com os
"colegas" e com a equipe de funcionários.
Todas as manhãs, os detentos se levantam, tomam um
café da manhã "reforçado", preparam um lanche para levar para o
trabalho, que começa pontualmente às 8h30. Trabalham até as 14h30 (por cerca de
R$ 21 por dia), almoçam a partir das 14h45 e, depois disso, estão
"livres" para praticar outras atividades, até às 23h, quando devem se
recolher a seus aposentos. Com o trabalho dos detentos, a prisão é
autossustentável e tão ecológica quanto possível, diz o governador da prisão de
Bastoy, Arne Kvernvik-Nilsen. Os detentos fazem reciclagem, usam energia solar
e, a não ser pelos tratores, seus meios de transporte para trabalho, diversão e
tudo mais são apenas cavalos e bicicletas. Bastoy é a prisão mais barata da
Noruega.
A prisão tem um staff de 70 pessoas (35 dos quais são guardas), para
cuidar de 120 detentos. À noite, apenas cinco guardas permanecem no local. O
norueguês Gunnar Sorbye trabalha há cinco anos na prisão como chefe da divisão
e instrutor dos presos nas artes da carpintaria, serviços hidráulicos e do
"faça-você-mesmo". Sob sua orientação, os presos que gostam do ramo
cuidam da manutenção das instalações e se qualificam profissionalmente. O lugar
também abriga professores, enfermeiras, padre, dentista e fisioterapeuta. E tem
uma creche para cuidar dos filhos dos presos, enquanto eles passam algum tempo
a sós com suas mulheres ou namoradas. As visitas são feitas um dia por semana,
com três horas para presos sem filhos e todo o dia para os que tem
filhos.
Na prisão, existem duas pequenas celas com grades,
bem escondidas. Elas são destinadas a presos que quebram a regra cardinal: são
proibidas a violência, bebidas alcoólicas e drogas. A última vez que uma delas
foi usada foi há dois anos, quando um detento foi encontrado tomando uma bebida
alcoólica. Ele foi colocado em uma das celas, até ser removido para uma prisão
comum. Mas também já aconteceu o pouco provável: um preso declarou que sentia
falta da prisão comum, onde tinha acesso a drogas.
Os prisioneiros provenientes das prisões normais,
são os que mais se entusiasmam com prisões como a de Bastoy e Halden, abraçando
até com certo ardor a proposta da reabilitação em troca conforto que o sistema
oferece. Réus que recebem pena de prisão e são diretamente encaminhados para
Bastoy ou Halden, se sentem infelizes, como qualquer preso que chega em
qualquer prisão. Como não viveram em uma prisão que trancafia as pessoas 23
horas por dia, tudo o que percebem é que estão trocando a liberdade por uma
prisão — mesmo que ela tenha todos esses confortos, diz o governador da
prisão.
O sistema de execução penal da Noruega dificilmente
será adotado pela Inglaterra (que tem 155 presos por 100 mil habitantes, mais
de 87 mil prisioneiros e também não tem recursos para isso, segundo já declaram
as autoridades inglesas); nem pelo Brasil (que tem 261 presos por 100 mil
habitantes, uma população de mais de 513 mil prisioneiros e não tem dinheiro
nem para colocar defensores públicos nas instituições); muito menos pelos
Estados Unidos (que tem 730 presos por 100 mil habitantes, uma população de 2,3
milhões de prisioneiros, falta de recursos e uma crença indelével na teoria da
vingança). Mas, há uma percentagem de americanos que acreditam em reabilitação.
Como escreveu o articulista da Time
Magazine: "Acho que devemos parar de
criticar a Noruega e nos fazer um grande favor, observando como uma sociedade
civilizada lida com seus criminosos, mesmo com ‘monstros’ como Anders Breivik".
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