Considerações do sistema judiciário da Austrália.
“Conheça o sistema judiciário
da Austrália
Por Vladimir Passos de Freitas: é colunista da
revista Consultor Jurídico,
desembargador federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi presidente, e
professor doutor de Direito Ambiental da PUC-PR.
Austrália, 22.465.300 de habitantes em 7.692.024km2. Colonizada
por ingleses e irlandeses no séc. XVIII, é hoje um dos mais adiantados
países do mundo. Possui seis estados, mais territórios e a capital é Camberra,
propositadamente escolhida entre Sydney e Melbourne, cidades rivais. Sydney,
capital do estado de New South Wales, é o centro econômico. São 4,5 milhões de
habitantes a viver na mais alta qualidade de vida.
Por força da colonização, o sistema jurídico é o da common
law. Com clareza, esclarece o professor José Roberto Goldim que
"A common lawprovém do
direito inglês não escrito que se desenvolveu a partir do século XII. É á lei
'feita pelo juiz': a primeira fonte do Direito é a jurisprudência. Elaborados
por indução, os conceitos jurídicos emergem e evoluem ao longo do tempo: são
construídos pelo amálgama de inúmeros casos que, juntos, delimitam campos de
aplicação. Acommon law prevalece no Reino Unido, nos EUA e na
maioria dos países da Commonwealth. Influencia mais de 30% da população
mundial." Todavia, os países que seguem este sistema possuem leis
também, muito embora em número bem menor do que os países da civil
law.
Em termos práticos, isto significa que o juiz, ao decidir,
analisa o pedido, as provas e os precedentes. Assim, ao invés de fundamentar a
decisão em um artigo de lei, fundamenta-a na menção a um caso julgado. Por
exemplo, uma pessoa presa tem direito de ser levada sem demora a um oficial
judicial para que seja considerada a possibilidade de prestar fiança e isto não
é feito por força de um artigo do Código de Processo Penal, mas sim pelo
decidido no caso Attorney-General (NSW) v. Dean (1990), N.S.W. C.A. Em outras
palavras, porque assim decidiu a Corte de Apelação do Estado de New South
Wales.
Os prédios do Judiciário são simples e austeros. E a
simplicidade não significa vulgaridade ou descuido. São limpos, organizados e
bem estruturados. Os juízes são pessoas com mais de 40 anos e com
reconhecido sucesso profissional. São formais (usam peruca nos julgamentos) e
respeitados (nas sessões, ao entrar ou sair da sala todos fazem uma
reverência). Os federais são indicados pelo Governador-Geral (cargo indicado
pela Rainha da Inglaterra) e os estaduais, conforme legislação própria. A idade
limite é, como no Brasil, 70 anos.
A estrutura funcional é bem diferente da nossa. Uma Secretaria
(ou Cartório) serve a muitos juízes, contrariando nosso sistema de um juiz, uma
secretaria). Não existem autos do processo. O juiz, nos julgamentos, tem cópias
de algumas peças e os advogados comparecem com malas de porte médio, de
rodinhas, com todas as cópias de seu interesse. As audiências são gravadas e,
se alguém desejar cópia, formula pedido específico.
O juiz, antes de iniciar um julgamento, verifica se há condições
de existência do processo. Se entender que sim, reúne os advogados das partes e
realiza a chamada directions hearing.
Isto significa estabelecer os limites do pedido e da contestação e delimitar as
provas a serem realizadas. Não se perde tempo com argumentos ou provas
estranhas ao pedido. Na tramitação o caso vai do início ao fim, tratado
individualmente, com audiências seguidas. Pode terminar em 20, 30 ou 40 dias. A
tecnologia é usada sem preconceitos arcaicos. Por exemplo, ao invés de uma
precatória (até o nome é Brasil Colônia) ouve-se por videoconferência. E se der
problema, usa-se o celular com viva voz.
A estrutura do Poder Judiciário tem pouca semelhança com o
Brasil. A começar pelo fato de que os órgãos do Judiciário chamam-se Cortes e o
nome Tribunal é reservado para Tribunais Administrativos.
No alto da pirâmide está a High Court, criada em 1901, com sede
em Camberra, capital federal. Ela é presidida por um Chief Justice e conta
com mais seis Justices (ministros). A primeira mulher, Mary Gaudron,
tomou posse em 1987. A Corte tem jurisdição civil e criminal e decide, entre
outros, os recursos envolvendo tratados, ações relacionadas com diplomatas de
outros países, leis oriundas do Parlamento e decisões de qualquer Corte
envolvendo jurisdição federal.
A Austrália tem Justiça Federal e Estadual. Mas a Justiça
Federal limita-se à segunda instância e é representada pela Corte Federal da
Austrália, composta por um presidente (Chief Justice) e 30 juízes. Esta Corte
divide-se em duas seções, uma geral e outra destinada a questões envolvendo
indústrias. Ela decide ações originárias (v.g., falências, tributos e questões
industriais) e apelações (v.g., apelações oriundas de juízes estaduais com
competência delegada e das Supremas Cortes dos Territórios).
No âmbito federal há, ainda, Cortes de Família com um presidente
e 40 juízes e Corte de Magistrados Federais, esta criada em 1999, com um
Presidente e 50 magistrados. No sistema dacommon
law, magistrado é um juiz que decide casos de menor importância,
como se fosse um juiz de paz antigo.
Existem, ainda, na esfera federal, tribunais (não são Cortes e
não pertencem ao Judiciário) e Comissões, com poderes de exercer políticas
públicas sobre determinadas matérias e decidir no âmbito administrativo. Por
exemplo, Tribunal de Migração e de Refugiados, Comissão de Direitos Humanos e
de Igualdade de Oportunidades e Tribunal Nacional Nativo.
Na Justiça dos Estados, apesar de diferenças existentes entre
eles, basicamente o sistema se divide em três instâncias. No alto, a Suprema
Corte Estadual, com poderes ilimitados de revisão e que decide casos mais
complexos (v.g., aplicação da pena de morte). A Suprema Corte de New South
Wales é composta de um presidente e 25 juízes. Neste estado (NSW), abaixo,
situa-se a Corte de Apelação, que se divide em uma seção de julgamentos pela common
law e outra de equidade (v.g., problemas de liquidação de
empresas).
Na primeira instância há em NSW a Corte de Terras e Meio
Ambiente, que completou 30 anos em 2010 e foi a primeira especializada no
mundo. Há as Cortes Distritais (equivalentes a comarcas) e as Cortes
Locais (equivalentes à Justiça Municipal), cujos juízes são chamados de
magistrados. Os recursos contra suas decisões são dirigidos à Corte Distrital.
Há, ainda, Corte de Menores, de Licenciamentos e Tribunal de Consumidores.
Brasil e Austrália guardam, entre si, certas semelhanças. São
Estados federais, grandes, novos e progressistas. No âmbito do Poder Judiciário
as diferenças são profundas e a maior delas é a de que o sistema australiano é
mais funcional e eficiente”.
Vladimir Passos de Freitas é colunista da
revista Consultor Jurídico,
desembargador federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi presidente, e
professor doutor de Direito Ambiental da PUC-PR.
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