China e o Direito do Trabalho.
“China cria normas trabalhistas
rígidas
Por Luis Fernando Cordeiro: é advogado, especialista em
Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo-USP, professor da Graduação
e do Curso de Pós Graduação da Universidade Nove de Julho.
Inexistência atual de direitos
trabalhistas na China, mito ou realidade?
Luis Fernando Cordeiro*
Quando falamos em trabalho na China, tendo em vista
a sua enorme população e sua larga produção, logo nos vem aquela ideia de
trabalhos forçados, exorbitantes jornadas de trabalho, trabalhadores
destituídos de períodos de descanso (Descanso Semanal Remunerado e férias), de
seguro contra acidentes etc, enfim, desprotegidos de quaisquer direitos
trabalhistas. Será que isso condiz com a realidade?
Pelo fato de a China ser um país com um sistema
político comunista, ditatorial, não submisso à maioria das Convenções e
Recomendações da Organização Internacional do Trabalho, não garantidor dos
direitos da pessoa humana (Direitos humanos) e, principalmente, por ser um país
ainda inóspito (mesmo diante de uma pequena abertura), é fácil escutarmos
calorosos discursos (inclusive acadêmicos) enfatizando a precariedade do
Direito do Trabalho nesse país.
Em 1912 foi proclamada a República na China e, em
1921, surge em Xangai o Partido Comunista Chinês, dando origem à Revolução
Comunista de 1949, que instaurou o princípio da legalidade pelo sistema da
codificação, nos moldes soviéticos. Todavia, a partir de 1960, com a Revolução
Cultural, a China abandonou esse sistema, quando foram criados organismos de
conciliação, as chamadasComissões
populares de mediação, que buscavam soluções de consenso,
pois não havia direitos positivados, salvo aos estrangeiros.
Esse sistema visava aos interesses do Estado
chinês, que era o único empregador do país, buscando inserir a ideia nos
trabalhadores de que deviam reconhecer as próprias culpas (vergonha de demandar
em juízo); submeterem-se aos superiores (família, comuna e Estado); e
praticarem sacrifício pela paz social, buscando um bem maior (bem do Estado).
O Estado, através das autoridades locais de
administração do trabalho, sob a exegese dos princípios socialistas, contratava
os trabalhadores mediante sua capacidade produtiva e sua integridade política,
estabelecendo normas que regulamentavam as relações de trabalho, promovendo a
emulação comunista no trabalho, mediante recompensas aos trabalhadores
exemplares e punições públicas aos desidiosos.[1]
Em 1971 a China é admitida na Organização das
Nações Unidas, sendo que, logo após, em anos de grande crise que causaram o
desemprego e a fome na China, o reformista Deng Xiaoping começou a abertura com
a terceirização na produção de bens para a China por empresas estrangeiras, que
se aproveitariam da farta mão de obra barata, ou seja, mais de 300 milhões de
chineses desempregados que viviam em condições de completa miséria[2].
Com essa abertura, o Estado chinês deixou de ser o único empregador (hoje as
empresas chinesas são deficitárias tendo em vista a concorrência externa),
representando atualmente apenas 12% dos empregos no país.[3]
Nos ditames do reformista chinês Deng Xiaoping, em
4 de dezembro de 1982 foi promulgada, pelo denominado Congresso Nacional do
Povo, a Constituição da República Popular da China, com apenas quatro capítulos[4],
que já recebeu e vem recebendo inúmeras emendas no tocante à reforma do Estado.
Diante dessa realidade, em 1º de janeiro de 1995
foi editada uma nova legislação trabalhista na China, dividida em treze
capítulos[5],
que já previa, entre tantos outros direitos, a proteção de jornada não superior
à 8 horas diárias ou 44 horas hebdomadárias; normas de proteção à saúde e
segurança; previsão de descansos remunerados, feriados e férias anuais;
remuneração das horas extraordinárias com adicional de 150% para os dias na
semana, adicional de 200% em dias de descanso e adicional de 300% em feriados
trabalhados; Licença-Maternidade de, no mínimo, 90 dias após o parto; proteção
ao trabalho do menor e da mulher; direito a participação em sindicatos
(inclusive negociando melhores condições de trabalho) etc.
Note-se que em 1995 a China já admitia a idade
mínima de 16 anos para o trabalho, enquanto no Brasil era de 14 anos,
passando-se para 16 anos somente após a Emenda Constitucional 20 de 1998; adicionais
de horas extras maiores do que o adicional garantido no artigo 7º, inciso XVI,
da nossa atual Constituição Pátria.
A Nova Lei Trabalhista Chinesa
Há um ano atrás, ou seja, a partir de 1º de janeiro
de 2008, passou a vigorar a nova lei trabalhista na China (Novo Código do
Trabalho), sendo esta lei mais um dos vários reflexos do processo de
modernização pela qual o país vem passando nos últimos anos.
Não obstante a antiga lei trabalhista chinesa, que
vigorou até o ano passado, ser bem protecionista (bem mais que a brasileira nos
vários aspectos supra mencionados), a atual lei traz várias inovações ainda
mais benéficas aos trabalhadores, como:
- obrigatoriedade de formalização de um contrato
escrito, por tempo determinado, dispondo em detalhes as regras desta relação
(inclusive as regras e regulamentos de empresa);
- a não observância da obrigatoriedade em epígrafe
no primeiro mês de trabalho (em qualquer relação de trabalho), o trabalhador
poderá pleitear em dobro o seu salário a partir do segundo mês;
- o próprio trabalhador pode entrar com ação, o que
antes só podia ser feito por intermédio dos sindicatos;
- garantia de emprego, pela qual nenhum trabalhador
pode ser demitido antes do término do contrato de trabalho, salvo por justa
causa (incompetência comprovada, violação grave das regras internas,
negligência e fraude);
- se a empresa renovar por duas vezes o contrato de
trabalho, este passa a ser por tempo indeterminado e o trabalhador adquire
estabilidade;
- no caso de demissão, a nova lei prevê o pagamento
de indenizações, como aviso prévio de um mês e um salário para cada ano de
contrato completado, até o máximo de 12 salários;
- possibilidade de contratos de estágio por tempo
máximo de seis meses;
- o trabalhador só pode ser sujeito a um único
período probatório de um único empregador, sendo que, neste período probatório,
o salário não poderá ser inferior a 80% do contrato salarial;
- as reclamações trabalhistas devem passar por uma
espécie de “comissão de conciliação prévia”, denominada de “Labour Dispute
Arbitration Commite” (LDAC), para somente depois, se dirigirem à Corte
Distrital.
É evidente que a conquista de mais direitos pelos
trabalhadores chineses enseja o aumento do custo da mão de obra naquele país,
causando queixas por parte das empresas, que declaram ser mais vantajosa a
mudança de suas fábricas para países em que ainda não possuem tais direitos
trabalhistas, como Índia e Vietnã.
Importante ainda ressaltar que este gigante
produtor mundial em 2001 assinou acordo de cooperação com a OIT, definindo
prioridades e medidas para efetivar o trabalho decente no país, fortalecendo as
leis, estruturas e normas contra o trabalho forçado; fiscalização por oficiais
trabalhistas do Estado; em 2004 a China modificou a sua Constituição para
reconhecer que o Estado respeita e tutela os direitos humanos, entre outros
direitos.
Como foi amplamente demonstrado, a China vem
obtendo, desde 1995, um enorme avanço no que tange à ampliação, fiscalização e
efetivação dos direitos trabalhistas, principalmente pela sua nova legislação
juslaboral de 1º de janeiro de 2.008.
Mister se faz mencionar que, enquanto nosso país,
sob a pálida desculpa da concorrência global[6],
busca uma flexibilização reducionista dos direitos mínimos, tanto na
Constituição quanto nas normas infraconstitucionais, a China, em sentido
contrário, avança com normas mais rígidas e protecionistas aos seus
trabalhadores.
Somos da opinião de que não são os direitos mínimos
trabalhistas que encarecem os preços dos produtos nacionais em face o mercado
internacional, mas sim a excessiva carga tributária imposta pelo Estado,
dificultando desta forma o necessário crescimento do nosso país.
Desta maneira, concluo o breve trabalho com os
dizeres da Exma. Dra. Juíza do Trabalho Antônia Mara Vieira Loguércio, da 2ª
Vara de São Leopoldo – RS, que bem define o nosso pensamento a respeito: “Tudo o que ouvimos sobre as condições
de trabalho da China deve ser tomado com muita cautela, pois geralmente, não
corresponde à verdade. Tais informações visaram, sempre, a justificar a redução
dos direitos dos trabalhadores brasileiros e ocidentais em face do ‘exemplo’
chinês”[7] (sic)”.
[1] MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Manual de
Direito e Processo do Trabalho, Ed. Saraiva, 18ª edição revisada e atualizada,
São Paulo:2009, pg. 472/474.
Segundo dados do banco Mundial, a China possui 200
milhões de pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza e dois terços do seu
território são constituídos de desertos e de montanhas acima de 1000 metros;
[4] Os
quatro capítulos são: 1. Princípios Gerais; 2. Direitos Fundamentais e Deveres
do cidadãos; 3. Estrutura do Estado; 4. Bandeira Nacional, Emblemas e a Capital
do País.
[5] São:
I. Disposições gerais; II. Da promoção de empregos; III. Dos contratos
trabalhistas e contratos coletivos; IV. Da jornada de trabalho, descaso e
férias; V. Da remuneração; VI. Da segurança ocupacional e da saúde; VII. Da
proteção especial da mulher e do menor; VIII. Da capacitação profissional; IX.
Do seguro social e previdência; X. Dos conflitos trabalhistas; XI. Da
supervisão e inspeção; XII. Da responsabilidade legal; XIII. Disposições
suplementares.
Luis Fernando Cordeiro é advogado, especialista em
Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo-USP, professor da Graduação
e do Curso de Pós Graduação da Universidade Nove de Julho.
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