"A VERDADE E A PROVA NO PROCESSO CIVIL


Sérgio Cruz Arenhart
 Procurador da República. Mestre e doutor emdireito processual civil pela UFPR.. Professor daUFPR e da Universidade Tuiuti do Parná

1. A verdade como o pressuposto para a prova:
A todo aquele que acudir a preocupação com o tema da prova no processo, virá àmente a questão da função da prova e, intuitivamente, vem de pronto a idéia de que pela prova se busca investigar a verdade dos fatos ocorridos, sobre os quais se aporá a regra jurídica abstrata, que deverá reger certa situação.Semelhante preocupação, com efeito, é absolutamente normal para qualquer pessoaque se veja na incumbência de estudar o processo. Não há dúvida de que a função do fato (e portanto, da prova) no processo é absolutamente essencial, razão mesmo para que ainvestigação dos fatos, no processo de conhecimento, ocupa quase que a totalidade do procedimento e das regras que disciplinam o tema no Código de Processo Civil brasileiro

Estranhamente, porém, embora a relevância do tema da prova (e dos fatos) no processo deconhecimento, observa-se nítido desdém da doutrina em tratar desta matéria. Prefere-se outorgar mais tempoao debate de questões de direito, do que a questões de fato. A propósito, WILLIAM TWINING lembra das palavras de certo político, em um debate, que dizia que “certa vez foi sugerido que 90 por cento dosadvogados gastam 90 por cento do seu tempo lidando com fatos e que isto deveria ser refletido nos seustreinamentos. Se 81 por cento do tempo dos advogados é gasto em uma coisa, daí decorre que 81 por cento daeducação jurídica deveria ser devotada a isto. Existem alguns cursos isolados sobre descoberta dos fatos (
 fact- finding
) e congêneres, mas nenhum instituto tem tido um programa completo em que a principal ênfase sejaem fatos. Eu proponho que nós centremos nosso currículo neste princípio e que nós chamemos nosso grau umBacharel de Fatos” (TWINING, William.
 Rethinking evidence – exploratory essays
. Evanston: NorthwesternUniversity Press, 1994, p. 12). Conquanto certamente exagerada a estatística, é fato inquestionável que o


Se é pressuposto para a aplicação do direito o conhecimento dos fatos
, e se, para o perfeitocumprimento dos escopos da Jurisdição é necessária a correta incidência do direito aosfatos ocorridos, tem-se como lógica a atenção redobrada que merece a análise fática no processo. Não é por outra razão que um dos princípios mais fundamentais do processo civil é oda verdade substancial. No dizer de MITTERMAYER, a verdade é a concordância entreum fato ocorrido na realidade sensível e a idéia que fazemos dele

. Esta visão, típica deuma filosofia vinculada ao paradigma do ser
,embora tenha todos os seus pressupostos jásuperados pela filosofia moderna, ainda continua a guiar os estudos da maioria dos processualistas modernos. Estes ainda se preocupam em saber se o fato reconstruído no processo é o mesmo ocorrido no mundo físico, ou seja, se a idéia do fato que se obtém no processo guarda consonância com o fato ocorrido no passado.De qualquer forma, a descoberta da verdade sempre foi indispensável para o processo. Na realidade, este é tido como um dos objetivos, senão o principal, do processo.Através do processo (especialmente aquele de conhecimento), o juiz descobre a verdade
tempo do operador do direito é gasto mais com a análise de fatos do que, propriamente, com a discussão dequestões de direito. No entanto, dificilmente se observa uma grande preocupação com a caracterização dosfatos ou com o estudo detido dos princípios que regem sua exposição no processo (sobre as causas dessemenosprezo, veja-se TWINING, William.
 Rethinking evidence – exploratory essays
, ob. cit., p. 13 e ss.).

Como observa CHIOVENDA, “toda norma encerrada na lei representa uma vontade geral, abstrata,hipotética, condicionada à verificação de determinados fatos, que, em regra, podem multiplicar-seindefinidamente. Toda vez que se verifica o fato ou grupo de fatos previstos pela norma, forma-se uma
vontade concreta da lei
, ao tempo em que da vontade geral e abstrata nasce uma vontade particular que tendea atuar no caso determinado” (CHIOVENDA, Giuseppe.
 Instituições de direito processual civil
, vol. 1, trad.Paolo Capitanio, Campinas: Bookseller, 1998, p. 18). É assim que surge, na ótica deste jurista, a sua célebredefinição de jurisdição, como tendo por escopo a atuação da vontade concreta da lei. V. tb., sobre a questão,LIEBMAN, Enrico Tullio.
 Manuale di diritto processuale civile, principi
. 5ª ed., Milano: Giuffrè, 1992, p.318.
MITTERMAIER, C.J.A.
Tratado da prova em matéria criminal
. 2ª ed., Rio de Janeiro: Eduardo &Henrique Laemmert Ed., 1879, p. 78.

Posição esta consagrada na visão de Aristóteles, com sua clássica noção de que “dizer daquilo que é,que é, e daquilo que não é, que não é, é verdadeiro; dizer daquilo que não é, que é, e daquilo que é, que não é,é falso” (
apud
COSTA, Newton C. A. da. “Conjectura e quase-verdade”
in Direito Política Filosofia Poesia:estudos em homenagem ao Professor Miguel Reale, em seu octogésimo aniversário
, coord. Celso Lafer eTércio Sampaio Ferraz Jr.. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 78).


sobre os fatos, aplicando, então, a estes fatos a norma apropriada. O chamado “juízo desubsunção” nada mais representa do que esta idéia: tomar o fato ocorrido no mundo físicoe, a ele, aplicar a regra abstrata e hipotética prevista no ordenamento jurídico. A propósito,LIEBMAN, ao conceituar o termo “julgar”, assevera que tal consiste em valorar determinado fato ocorrido no passado, valoração esta feita com base no direito vigente,determinando, como conseqüência, a norma concreta que regerá o caso

.De fato, considerando que ao Judiciário cumpre aplicar o direito objetivo aos casosconcretos — aplicando, em síntese, a idéia de Kelsen, de que dado um certo fato deve ser arespectiva conseqüência —, parece ser de uma evidência solar constatar ser imprescindívela reconstrução de tais fatos, a fim de que a hipótese prevista na norma seja adequadamente aplicada

. Cumpre lembrar o genial CARNELUTTI, o qual, após declarar que o processo éum trabalho, assevera que “aquilo que é necessário saber, antes de mais nada, é que otrabalho é união do
homo
com a
res
, sendo que esta coisa vimos estar em torno de um
homo
: que o
homo iudicans
trabalhe sobre o
homo iudicandus
significa, no fundo, que deveunir-se com ele; somente através da união ele conseguirá saber como se passaram as coisas(
come sono andate le cose
)

e como deveriam passar-se, a sua história e o seu valor; em uma palavra a sua verdade”
7
. Eis a razão pela qual se tem a verdade material (ou substancial)como escopo básico da atividade jurisdicional. Como dizem TARUFFO e MICHELI, no processo a verdade não constitui um fim em si mesma, contudo insta buscá-la enquantocondição para que se dê qualidade à justiça ofertada pelo Estado
8
.Desta necessidade de se saber como “
 sono andate le cose
” decorre o destaque que sedá ao Processo de Conhecimento. Realmente, seria impensável o direito processual sem suamais nobre função: o processo destinado a descoberta dos fatos sobre os quais o Estado échamado a manifestar-se. É neste campo que o juiz conhece os fatos e aplica a eles a norma."
5
LIEBMAN, Enrico Tullio.
 Manual de direito processual civil
, tomo I, trad. de Cândido R.Dinamarco, Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 4.
6
Assim, aliás, acentua CARNELUTTI, ao ponderar que “noi sappiamo che il primo compito per giudicare è quello di ricostruire il fatto; non potrebbe il giudice procedere al confronto del fatto con lafattispecie prima di averlo ricostruito” (
 Diritto e processo
, Napoli: Morano, 1958, p. 94). Da mesma forma, v.Carlo Furno,
Contributo alla teoria della prova legale,
Padova: CEDAM, 1940, p. 11.
7
CARNELUTTI, Francesco.
Op. cit.,
 p. 124.
8
MICHELI, Gian Antonio e TARUFFO, Michele. “A prova”
in Revista de Processo
, nº 16, São Paulo:Revista dos Tribunais, out/dez 1979, p. 168


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http://www.academia.edu/214442/A_VERDADE_E_A_PROVA_NO_PROCESSO_CIVIL . Acesso: 22/10/2012

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