“há 3 dias por blogdorizzattonunes 

Autor: Doutor Rizzatto Nunes
Professor de Direito, Mestre e Doutor em Filosofia do Direito pela PUC-SP; é Livre-Docente em Direito do Consumidor pela PUC-SP e Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Os estilistas, nos dias que correm, devem estar criando os modelos de roupas que homens e mulheres usarão nos próximos anos: As gravatas masculinas com seus tamanhos, desenhos, tipos de tecidos e cores; os sapatos desses mesmos homens;  os ternos com seus novos cortes, se com um, dois ou três botões etc. As camisas, suas cores e colarinhos e todo o resto. Quanto às mulheres, o mesmo: saias, tailleurs, vestidos, blusas, sapatos e seus saltos, altos, baixos, finos, grossos, as bolsas e seus modelos, os acessórios, centenas deles de variadas funções, qualidades, materiais  etc. etc., aliás, um longo etc. E tudo isso varia de acordo com o tipo de público: executivos, estudantes, advogados, médicos, esportistas etc.
Dá para resistir? Será possível continuar, por exemplo, usando roupas que se usavam nos anos setenta do século XX?
Mais de uma vez, em sala de aula, perguntei a meus alunos se eu, como especialista em direito do consumidor e estudioso do comportamento deste na sociedade de consumo, não poderia simplesmente me vestir como fazia nos anos setenta ou oitenta do século passado. Será que eu poderia chegar numa sala de aula ou aparecer para uma palestra em que era esperado para falar de direito do consumidor, vestido como antigamente? Qual seria o impacto, por exemplo, se eu entrasse na sala com um cabelo longo até o fim de minhas costas (como os roqueiros usavam nos anos setenta); se estivesse vestindo uma calça social  muito  alta, acima do umbigo, como nos anos cinquenta, uma camisa azul clara ou rosa com colarinho longo quase até embaixo dos braços  como se chegou a usar no século passado, suspensórios nas calças e uma gravata larga e bem curtinha que não atingisse o mesmo umbigo já citado? Ah! e com meias brancas num sapato preto (qualquer que fosse o modelo de sapato).  Eu poderia chegar assim trajado? Digamos que eu fosse vestido desse jeito para tentar mostrar que não me enquadro no sistema de consumo impositivo. Daria certo? Penso que não. Em primeiro lugar,  as pessoas pensariam que eu estava tentando roubar o lugar do Tiririca (nosso nobre Deputado Federal) e, em seguida, prestariam mais atenção às minhas vestimentas que às minhas palavras e, quem sabe, alguns até nem me ouvissem mais.
Examinemos  o caso dos candidatos a um emprego numa empresa. Para aquele ou aquela que vai procurar uma vaga e se submete a uma entrevista, o conselho básico que sempre se dá é que ele ou ela  apresentem-se  trajados como se espera que devam se apresentar no setor de interesse. Ternos sóbrios e gravatas idem para os homens e tailleurs, do mesmo modo sóbrios, são indicados para as mulheres. Mas, não é só. Há muitas especificidades. Veja o que diz a consultora de moda Olga Cardoso Pinto e que envolve o modo de se portar, além dos trajes:
“… a atitude e a imagem pessoal também são fatores de avaliação. Importante:
- Tente conhecer a empresa à qual vai à entrevista, atualmente não é difícil, na internet pode encontrar informação sobre a empresa ou instituição.
- Saiba se existe um ‘dress code’, assim conhecerá a forma de se vestir para a entrevista…
O que vestir?  Ao conhecer antecipadamente qual é a empresa e se existe um ‘dress code’ ou não, já terá mais facilidade em selecionar o que vestir…
As empresas podem exigir aos seus funcionários que usem terno e gravata, caso dos homens, as senhoras tailleur de saia, e até as cores do vestuário…
São de excluir:  jeans desbotados ou rasgados;  calçado gasto e sujo;  roupas demasiado justas ou transparentes;  decotes e camisolas curtas e cavados;  chinelos; cabelo desalinhado e sujo;  maquilhagem, perfume e bijuteria em excesso´´ (http://consultoriodemoda.blogs.sapo.pt/188993.html. Como o endereço é de Portugal, eu adaptei algumas palavras).

Naturalmente, não há novidade nisso de sabermos nos apresentar em certos locais. É algo que aprendemos vivendo em sociedade, na educação formal e  na informal, em casa, nas festas, nos locais de trabalho, nas escolas, nas cerimônias, assistindo à televisão etc. Indo a uma cerimônia de casamento ou a um funeral, como regra geral,  sabemos  o que vestir e como lá nos comportarmos. Não há, portanto, algum mal nisso.
Antes de prosseguir, faço uma indagação pontual relativa ao exercício de nossa liberdade ou a falta dela, no que diz respeito ao uso das vestimentas e o comportamento atrelado a esse uso. Pergunto: Nesse aspecto, podemos nos afirmar pessoas livres na medida em que não somos nós que escolhemos o corte de cabelo ou mesmo sua cor ou, então, a gravata que teremos de usar? Se é a moda que impõe o comprimento e a cor de meu cabelo ou a cor de minha camisa e seu colarinho, como é que posso me dizer livre para escolher? Se vem de fora a determinação para o consumidor, então, ele não parece poder ser livre.
E, realmente, pelo menos para procurar emprego, se o candidato quiser ter uma chance, deve saber se vestir e se comportar. Mas, do mesmo modo também um advogado ou uma advogada ou um político no exercício de sua profissão. Pergunto: Será que o só fato de alguém se vestir do modo como o mercado impõe é uma prova da falta de sua liberdade?
Voltemos a meu exemplo da aula. Eu poderia ir vestido como o palhaço Tiririca?  Aliás, ele mesmo veste-se adequadamente na posição de Deputado. Você já reparou? Penso que eu devesse – e deva – me apresentar do modo como normalmente um professor da área jurídica se apresenta. Essa atitude de enquadramento no modelo, por si só, não é capaz de infringir minha liberdade. Esse fato, embora copiado ou inspirado no padrão que vem de fora, não significa a perda de minha condição livre,  desde que seja consciente. Explico: o que me faz livre ou não, não é a escolha do traje, mas o motivo da escolha. Se faço essa escolha consciente de que ela serve para um melhor desempenho na minha atividade, então mantenho-me livre, pois sou eu que controlo as circunstâncias externas ou invés de ser por elas controlado. Decido livremente colocar um terno e uma gravata de acordo com o padrão, porque sei  que a plateia prestará atenção ao que eu falo e não no que eu estou vestindo. Realmente, se surjo no palco vestido de acordo com o modelo esperado, minhas roupas passam despercebidas e, imediatamente, as pessoas podem me ouvir. Podem prestar atenção em minha fala. Vestido como se fosse um palhaço ou algo parecido,  teria de dar muitas explicações antes de iniciar.
Claro que é possível, também, demonstrar resistência aos acontecimentos exteriores, às imposições do mercado e manter uma forte independência em relação ao modelo. Muitos fazem isso. Porém, mesmo não agindo assim, posso  manter a independência em relação às imposições externas e faço isso tomando consciência da determinação exterior e decidindo segui-la ou não, mas assumindo o comando. Uso a vestimenta, mas sei que o faço apenas para poder agir livremente dominando as circunstâncias e não o contrário, sendo por elas controlado.
De qualquer maneira, é inexorável: temos de nos vestir e nos portar do modo como se espera que nos apresentemos e nos comportemos. Daí que, o mercado, sempre antenado, de há muito tempo tem se aproveitado dessa situação.
Veja que, nesse contexto do uso das vestimentas, independentemente dele se dar de forma condicionada (externamente) ou livre e decidida (internamente), o que se constata no mercado de consumo é sua utilização como instrumento de publicidade. Cada vez mais, o consumidor que veste certas roupas e porta certos adornos e acessórios acaba funcionando como uma espécie de outdoor ambulante. A imagem daquelas pessoas que ficavam nas ruas com anúncios sanduíches é bem ilustrativa: Uma cartaz na frente e  outro atrás, ambos enfiados pela cabeça da pessoa-outdoor parada ou andando pelas ruas anunciando compra de outro, joias, venda de títulos e outras coisas. E, ainda hoje, há  pessoas-anúncios paradas nas esquinas segurando cartazes que oferecem a venda de imóveis.
O mercado faz algo parecido e já há muito tempo utiliza o próprio consumidor para fazer seus anúncios (e de graça!). São as roupas de grife com seus símbolos bem evidentes nas camisetas e camisas, nos tênis, nas bolsas das mulheres, nas valises dos homens, nas carteiras; são os relógios reluzentes e suas marcas salientes ou as canetas cheias de glamour etc. A chamada roupa de marca ou de grife é a demonstração de uma estratégia de marketing que utiliza o consumidor como outdoor e, repito, sem lhe pagar nada. Ao contrário, cobrando mais caro por isso! Algumas estratégias de marketing estão firmadas nos brindes: são bonés, canetas, camisetas e outros produtos oferecidos com as cores, desenhos, nomes e marcas de produtos e serviços para que o consumidor os utilize e mostre. E, não parou por aí:  houve uma “evolução” do negócio. Por exemplo, hoje, há lojas da Coca-Cola: o consumidor pode comprar peças de roupas nas cores e desenhos do famoso refrigerante. Embora seja difícil entender porque alguém faria isso, não é tão distante de outros produtos marcados. Não é, por exemplo, diferente dos torcedores que vestem a camisa do Banco do Brasil para torcer pelo time de vôlei. 
Os clubes de futebol, por sua vez, profissionalizados e devidamente ajustados pelos marqueteiros, também investiram no segmento com a vantagem de que tinham – como têm – o consumidor-torcedor como aliado. Agora é bastante comum encontrar pelas ruas, pelos shoppings, pessoas vestidas com camisas de clubes de futebol ainda que não haja disputa em andamento. A camisa do time tornou-se vestuário regular.
É  natural que o consumidor queira estar parecido com as demais pessoas de seu grupo social. E, conforme acima narrei, quase ninguém escapa de se apresentar da maneira como se espera ele deva se apresentar – meu exemplo do professor de direito dando aula – e, tendo em vista os modos de controle do mercado, é difícil ser diferente. Parece que uma característica contemporânea dos consumidores – ao menos no que diz respeito à aparência, isto é ao modo como ele se apresenta socialmente – é essa da semelhança. O diferente é raro.
E, embora possa ser feita uma análise dos elementos internos – vontade, opção ou falta dela, decisão, ideologia, sentimento, paixão etc. — para o mercado fabricante de vestuário em geral, o que vale é o uso público da marca. Não importa o motivo do porque o consumidor veste uma roupa de seu time querido ou uma bolsa de grife, um tênis cheio de expressão comercial. Pode ser para se identificar com seu grupo de torcedores ou de amigos; para se sentir pertencendo a um tipo de consumidores; para manter a conduta profissional ou, apenas, porque a roupa estava em liquidação e era barata etc. Ademais, como expus, usando ou não certo tipo de vestimenta, até mesmo a liberdade de escolha está salva: quando ela existe e é fruto de uma decisão consciente. Efetivamente, nada disso importa: o que vale é que, cada vez mais,  o consumidor passa pelas ruas, avenidas e corredores de shoppings fazendo propaganda gratuita dos fabricantes”.

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