“Mandado de Segurança - Agente comunitário de saúde - Dispensa imotivada - Ilegalidade do ato

PROCESSO N. 0175.11.000454-6
IMPETRANTE: Sidinei Seabra Costa
IMPETRADO: Prefeita Municipal de Conceição do Mato Dentro/MG

SENTENÇA

I ¿ RELATÓRIO

Sidinei Seabra da Costa ajuizou mandado de segurança em face de ato da Prefeita Municipal de Conceição do Mato Dentro, alegando que a referida autoridade dispensou o impetrante, que era Agente Comunitário de Saúde ¿ ACS, no dia 4 de março de 2011.
Aduziu que a dispensa se deu sob o argumento de que o município pode a qualquer tempo rescindir de pleno direito o contrato firmado com o impetrante. Ressaltou, contudo, que a dispensa arbitrária ocorreu imediatamente após o impetrante conceder depoimento para um documentário, no qual expressa sua opinião em relação à construção de sanitários públicos. Asseverou que a Constituição da República de 1988 garante a liberdade de expressão e que as convicções sociais e políticas do impetrante não podem ser utilizadas como subterfúgios para a sua dispensa arbitrária.
Sustentou que sua dispensa fere os princípios da legalidade, moralidade e impessoalidade e que o município descumpriu as disposições da Lei n. 11.350, de 2006, ao dispensar o impetrante. Requereu o deferimento de liminar e pediu a final concessão da segurança. Propugnou pelos benefícios da assistência judiciária gratuita.
Com a inicial vieram os documentos de ff. 13-34.
Antes de analisar o requerimento de liminar, determinei a oitiva da autoridade impetrada.
Nas informações de ff. 41-51, a autoridade impetrada suscitou preliminar de inadequação da via eleita e, no mérito, teceu argumentos em prol da denegação da segurança.
A liminar foi deferida às ff. 52-55.
Em parecer de ff. 61-69, o Ministério Público opinou pela rejeição da preliminar e pela concessão da segurança.

 II ¿ FUNDAMENTAÇÃO

De início, analiso a preliminar suscitada pela autoridade impetrada.
No que tange à preliminar de inadequação da via eleita, ao argumento de que a questão posta em debate nestes autos demanda dilação probatória, considero que o exame de tal alegação é matéria de mérito, que, se acolhida, poderá acarretar a denegação da segurança, sem resolução do mérito, conforme artigo 19 da Lei n. 12.016, de 2009.
Afasto a prefacial.
Vou ao mérito.
O mandado de segurança é ação prevista no artigo 5º, LXIX, da Constituição da República de 1988. O referido dispositivo da Lei Maior prescreve que ¿conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público¿.
Neste mandado de segurança, o impetrante requer seja determinado à autoridade impetrada que o reintegre no cargo de Agente Comunitário de Saúde.
Observo que foi realizado processo seletivo público para contratação de Agentes Comunitários de Saúde (ff. 26-34). O impetrante foi selecionado e, posteriormente, nos termos do documento de f. 17, restou dispensado de suas funções a partir de 4 de março de 2011. A dispensa ocorreu por alegado interesse da Administração Pública.
Segundo a autoridade impetrada, a dispensa do impetrante ocorreu com base na cláusula quinta do contrato, que prevê: ¿O contrato ficará, de pleno direito, rescindido, no interesse da Administração Pública a qualquer tempo, mediante notificação por escrito¿ (f. 45).
Nesse quadro, é importante considerar que o autor, neste mandado de segurança, não impugna ato discricionário, cuja conveniência e oportunidade seria intangível por parte do Poder Judiciário. O impetrante questiona, na verdade, a legalidade do ato administrativo de sua dispensa, razão por que é possível que o Poder Judiciário, sem ofender o princípio da separação dos poderes, verifique se houve ou não ofensa a referido princípio.
Nos termos do parecer do Ministério Público, que segue a linha que externei por ocasião da análise do requerimento de liminar, a dispensa do impetrante não poderia ser imotivada:

[...] a mencionada Lei Federal que disciplinou o art. 198, §5º, da Constituição Federal, com a redação dada pela EC 51/2006, atendendo a comando constitucional, não deixou margem para previsão contratual sobre dispensa imotivada.
O art. 10 da mencionada Lei 11.350/2006 é claro ao estabelecer as hipóteses em que a Administração pública poderá rescindir unilateralmente o contrato do Agente Comunitário de Saúde ou do Agente de Combate às Endemias.

O impetrante foi contratado após o início de vigência da Lei n. 11.350, de 2006, uma vez que o documento de f. 17 demonstra que o seu contrato tem número ¿043/2008¿. Nesse rumo, considero que o artigo 10 da Lei n. 11.350, de 2006, que incide no caso em apreço, elenca, em rol taxativo, quais situações poderiam configurar interesse da Administração Pública para fins de rescisão do contrato:

Art. 10.  A administração pública somente poderá rescindir unilateralmente o contrato do Agente Comunitário de Saúde ou do Agente de Combate às Endemias, de acordo com o regime jurídico de trabalho adotado, na ocorrência de uma das seguintes hipóteses:
I - prática de falta grave, dentre as enumeradas no art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT;
II - acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas;
III - necessidade de redução de quadro de pessoal, por excesso de despesa, nos termos da Lei no 9.801, de 14 de junho de 1999; ou
IV - insuficiência de desempenho, apurada em procedimento no qual se assegurem pelo menos um recurso hierárquico dotado de efeito suspensivo, que será apreciado em trinta dias, e o prévio conhecimento dos padrões mínimos exigidos para a continuidade da relação de emprego, obrigatoriamente estabelecidos de acordo com as peculiaridades das atividades exercidas.
Parágrafo único.  No caso do Agente Comunitário de Saúde, o contrato também poderá ser rescindido unilateralmente na hipótese de não-atendimento ao disposto no inciso I do art. 6o, ou em função de apresentação de declaração falsa de residência.

O entendimento que ora exponho encontra escoro na jurisprudência do e. Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

REEXAME NECESSÁRIO E RECURSO VOLUNTÁRIO - MANDADO DE SEGURANÇA - ADMINISTRATIVO - EC N.º 51/06 E LEI FEDERAL N.º 11.350/2006 - AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE - SUBMISSÃO A PROCESSO SELETIVO SIMPLIFICADO - DEMISSÃO IMOTIVADA - ILEGALIDADE DO ATO - SEGURANÇA MANTIDA. O agente comunitário de saúde contratado após a entrada em vigor da Lei Federal n.º 11.350/2006, que foi aprovado em processo seletivo simplificado, somente poderá ser dispensado mediante uma das situações determinadas pelo legislador no art. 10 da Lei n.º 11.350/2006. (TJMG, 2ª Câmara Cível, Apelação Cível/Reexame Necessário n. 1.0059.10.000884-2/001, Relator Des. Afrânio Vilela, j. 06/09/2011, DJe 23/09/2011)

No caso, há prova de que o impetrante foi selecionado para exercer o cargo de Agente Comunitário de Saúde, inexistindo prova de que sua dispensa se deu de acordo com a Lei n. 11.350, de 2006 (f. 17). Na verdade, a autoridade impetrada reconheceu que se baseou somente na cláusula contratual para rescindir o contrato, sem indicar motivo baseado na referida lei para por termo ao contrato.
Assim, demonstrado que a dispensa do impetrante não decorreu de algum dos motivos indicados no supracitado dispositivo legal, a concessão da segurança é medida que se impõe.

III ¿ DISPOSITIVO

Diante do exposto, concedo a segurança postulada, para ratificar a liminar deferida às ff. 52-55, de modo a determinar que a autoridade impetrada, no prazo de 5 dias, reintegre o impetrante ao cargo de Agente Comunitário de Saúde, com todos os direitos e vantagens, a partir da data da impetração do mandamus, sob pena de caracterização de crime de desobediência.
Custas processuais, pelo Município de Conceição do Mato Dentro, ficando isento do pagamento dos ônus sucumbenciais, conforme artigo 10, I, da Lei Estadual n. 14.939, de 2003.
Sem honorários advocatícios (artigo 25 da Lei n. 12.016, de 2009).
Sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição (artigo 14, §1º, da Lei n. 12.016, de 2009).
Publique-se. Registre-se. Intimem-se as partes, o Ministério Público e o Município de Conceição do Mato Dentro.
Conceição do Mato Dentro, 25 de outubro de 2011.


Bruno José Silva Nunes
Juiz de Direito Substituto”

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