segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

DIREITO DO CONSUMIDOR NA ARGENTINA



"Aspectos gerais do Direito Argentino em relação ao Direito do Consumidor

O direito argentino muito tem valorizado a temática do consumo, que passa ter uma atenção especial dos operadores do direito, em razão do crescente processo de conscientização de direitos. Tem sido relevante a constatação de superioridade da norma de consumo em relação as demais integrantes do sistema jurídico, face a sua especificidade temática. De forma…

utor: Josinaldo Leal de Oliveira: Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais (UMSA). Pós-Graduado em Direito Civil e Direito do Consumidor, Docência do Ensino Superior. Professor de Cursos de Pós-Graduação, Preparatórios para carreira Jurídica e Graduação em Direito. Advogado Sócio do escritório Martins, Leal & Associados Advocacia e Consultoria. Experiente na área do Direito, com ênfase em Direito Civil e do Consumidor.
 
 O direito argentino muito tem valorizado a temática do consumo, que passa ter uma atenção especial dos operadores do direito, em razão do crescente processo de conscientização de direitos.

Tem sido relevante a constatação de superioridade da norma de consumo em relação as demais integrantes do sistema jurídico, face a sua especificidade temática. De forma pontual Fulvio G. Santarelli  assevera que:
Tal superioridad se conjuga com uma realidade normativa preexistente que explica la impotência de los códigos substantivos para dar respuestas a las necessidades protectorias del débil. Es que el diseño decimonónico de la legislación substantiva nacional da cuenta de la existencia de normas especiales destinadas a regular la actividad del comerciante; como derecho de excepción, que reclama agilidade, flexibilidade, especialidad. (SANTARELLI in PICASSO, 2009, p.22).
A norma de consumo no ordenamento jurídico argentino tem se apresentado em posição de destaque, face às necessidades especiais dos sujeitos de direito destinatários da tutela. Nessa condição, não se apresenta declinada a tradicional dicotomia classificatória de direito público e direito privado, sendo reconhecida como de transcendência social.
Dante D. Rusconi, ao discorrer sobre a “esencia del derecho del consumidor” aponta que:
La trascendencia social de las problemáticas surgidas en torno a las relaciones de consumo hacen que el derecho del consumidor, cuya génesis y desarrollo primario se circunscribió a los “contratos de consumo”, hoy sea uma disciplina de enormes ressonâncias, em la cual, cada vez más, se encuentra involucrado el interés público. (RUSCONI, 2009, p.18).
A identificação da natureza da norma de consumo no direito argentino passa por condição bem similar aquela estruturada pelo direito brasileiro. Assim como instituído pelo Código de Defesa do Consumidor, no direito argentino a ley 24.240 possui natureza de “orden público”, instituída a partir de uma concepção de política legislativa.
A referida previsão consta do art. 65 da ley 24.240, que assim dispõe:
Artículo 65.- La presente ley es de orden público, rige en todo el territorio nacional y entrará en vigencia a partir de la fecha de su publicación en el Boletín Oficial. El Poder Ejecutivo debe reglamentar la presente ley dentro de los ciento veinte (120) días a partir de su publicación.
Na perspectiva de ser uma norma de ordem pública, pretendeu o legislador argentino conduzir um caráter de aplicação imperativa para a norma de defesa do consumidor, de forma a não permitir a renúncia dos seus dispositivos, direitos e normas.
Nesse particular, percebe-se uma nítida similitude com a característica da inderrogabilidade consagrada no direito brasileiro, uma vez que eventual convenção entabulada entre as partes não poderá se sobrepor as regras instituídas em favor do consumidor.
No ordenamento jurídico argentino, o próprio Código Civil instituiu regra ordinária no sentido de impossibilitar que convenções ou pactos possam reduzir ou afastar as disposições das normas de ordem pública, sobrelevando a força das referidas normas. Nesse sentido dispõe o art. 21 da codificação civil.
Artículo 21. Las convenciones particulares no pueden dejar sin efecto las leyes en cuya observancia estén interesados el orden público y las buenas costumbres.
Dante Rusconi, ao tratar das noções fundamentais do direito do consumidor na argentina, aduz que a norma de ordem pública atua como um limitador da autonomia da vontade. Conclui o referido doutrinador apontando que:
Por ende, el orden público del derecho del consumidor significa un límite a los convenios en los que se encuentren implicados derechos de consumidores y usuarios, ya sea que se celebren en ámbitos privados como ante organismos judiciales o de la Administración, no pudiendo en ningún caso pactarse en ellos condiciones contrarias a los derechos reconocidos ni derivarse de tales convenciones efectos disfuncionales a la norma tuitiva. (RUSCONI, 2009, p.127).
Percebe-se, ainda, que a norma de ordem pública não possui apenas como destinatário o particular, mas sim uma atuação geral no sistema jurídico, de forma que as autoridades públicas e a própria estrutura do Estado devem implementar de forma obrigatória as suas disposições.
No direito argentino, a ley 24.240 instituiu um caráter especifico de atuação protetiva do consumidor. No dizer de Gabriel Stiglitz, “la sanción de la LDC significó el recocimento expresso de la vulnerabilidade del consumidor em las relaciones de consumo.” (1997, p.113).
Embora a ley 24.240 seja uma norma especial em relação à proteção e defesa do consumidor, o sistema de consumo argentino é integrado pelas disposições e regras instituídas pelo Código Civil e pela Constituição Nacional, integrando um verdadeiro sistema legal de defesa dos consumidores.
Cumpre apontar que a Constituição Nacional Argentina, no âmbito da sua reforma em 1994, promoveu destaque aos direitos dos consumidores ao elenca-los entre os direitos de maior hierarquia no sistema jurídico argentino. Nesse sentido bem ponderou Dante D. Rusconi ao aduzir que:
El enfoque que brindan los denominados “nuevos derechos y garantias” orientados fundamentalmente a preservar la dignidade de las personas y, em especial, los “derechos de incidencia colectiva”, se encuentran vigorosamente respaldados desde la reforma de la Constitución Nacional del año 1994.(RUSCONI, 2009, p.61).
Autores argentinos como Germán J. Bidart Campos (1998, p.93) apontam que a inserção dos direitos dos consumidores na Constituição Nacional, em especial no rol dos novos direitos e garantias, evidenciam uma atuação do Estado em reduzir desigualdades e assegurar as necessidades fundamentais das pessoas em relação ao consumo de bens e serviços.
O legislador argentino ao dispor no art. 42 da Constituição Nacional direitos dos consumidores, conduziu a atuação do sistema jurídico como um todo a observar a relevância da defesa do consumidor. Neste particular, cumpre apontar o teor do referido dispositivo constitucional.
Art. 42.- Los consumidores y usuarios de bienes y servicios tienen derecho, en la relación de consumo, a la protección de su salud, seguridad e intereses económicos; a una información adecuada y veraz; a la libertad de elección, y a condiciones de trato equitativo y digno.
Las autoridades proveerán a la protección de esos derechos, a la educación para el consumo, a la defensa de la competencia contra toda forma de distorsión de los mercados, al control de los monopolios naturales y legales, al de la calidad y eficiencia de los servicios públicos, y a la constitución de asociaciones de consumidores y de usuarios.
La legislación establecerá procedimientos eficaces para la prevención y solución de conflictos, y los marcos regulatorios de los servicios públicos de competencia nacional, previendo la necesaria participación de las asociaciones de consumidores y usuarios y de las provincias interesadas, en los organismos de control.
O que se percebe a partir da inclusão dos direitos dos consumidores no texto da Constituição Nacional Argentina é a consolidação da temática do consumo em uma perspectiva social, constituindo uma missão do Estado em defender o consumidor, assegurando a estes uma elevada proteção normativa.
Discorrendo sobre a temática do Direito do Consumidor, Frederico M. Alvarez Larrondo aponta que:
En el ordenamento construido a partir del artículo 42 de la Constitución Nacional, el consumidor ha dejado de ser el actor de reparto (beneficiario indirecto de las normas reguladoras del mercado), y muy por el contrario, el el ordenamento legal originariamente surgido en razón de su persona el que persigue en la actualidade el albur del mercado justo declamado por los defensores del “libre comercio” (y lo hace de manera mucho más eficiente, vale decirlo). (LARRONDO, 2009, p. 578).
Vale ressaltar que a inserção da temática do consumidor na Constituição Nacional se deu após o início da vigência da Ley 24.240 de 15 de outubro de 1993, fruto de movimentos sociais. No dizer de Marcelo Gomes Sodré (2009, p.268) “a Constituição da Argentina é extremamente avançada no que diz respeito à criação de um sistema de defesa do consumidor. No entanto essa conquista não foi fácil”.
Inegável o caráter expansionista da Constituição Nacional no que toca a defesa do consumidor. A Constituição argentina, sem sombra de dúvidas, apresenta-se como uma das Constituições que mais expôs, expressamente, os direitos dos consumidores.
Conforme disposição do art. 42 do texto constitucional são considerados como direitos básicos dos consumidores a proteção da saúde, segurança e interesses econômicos, a informação adequada e verdadeira, a liberdade de escolha e tratamento equitativo e digno.
No referido dispositivo constitucional, o legislador instituiu as obrigações do poder público no que toca a defesa do consumidor, destacando a proteção dos direitos e a garantia da educação para o consumo.
A inserção da defesa do consumidor no texto constitucional permitiu que a própria lei de defesa do consumidor argentino fosse objeto de modificações logo em seguida, haja vista que a disposição constitucional evidenciou o campo da tutela do consumidor.
A ley 24.240 não trazia em seu bojo, antes da inserção constitucional, os direitos básicos dos consumidores, circunstância que passou a ser contemplada a partir da reforma pós inserção do art. 42 da Constituição Nacional.
Assim, no âmbito normativo argentino, no que toca ao direito do consumidor, se percebe que a regulação explícita e expressa é tímida, mas não ineficiente. Há um reconhecimento que existem lacunas normativas e que a solução passa pela aplicação de um conjunto de ações, dentre elas a aplicação principiológica. Sinteticamente, Jean M. Arrighi aponta que:
“dentro de los marcos normativos actuales, hay muchas lagunas. [...] que dadas las situaciones variadas y cambiantes a que dan lugar la relaciones de consumo, debe imaginarse un conjunto normativo que la contemple de forma que no se produzca un incesante desfasaje entre ley y realidad, que pueda bloquear El desarrollo económico o descuidar los intereses de los consumidores”. (ARRIGHI, 1991, p. 32)
Por certo, no âmbito do direito do consumidor argentino a norma de consumo apresenta papel relevante, em especial por razões constitucionais.
Em uma análise comparativa, percebe-se que o direito argentino guarda bastante similitude com a estrutura e natureza da norma consumerista brasileira, na medida em que dispôs no texto constitucional de forma específica sobre os direitos dos consumidores e, no âmbito da Lei de Defesa do Consumidor – Ley 22.240, instituiu o caráter de norma de ordem pública, evidenciando o proposito protetivo e a preocupação do Estado com a defesa do consumidor.
REFERÊNCIAS
ARRIGHI, Jean M. Los principios básicos de la defensa del consumidor y el panorama actual en América Latina. In, Gabriel A. Stiglitz, Derecho del Consumidor 1. Argentina: Editora Juris, 1991.
LARRONDO, Federico M. Alvarez. Los centros comerciales ante del derecho del consumo. In: Sebastián Picasso (org.). Ley de defensa del consumidor comentada y anotada. 1ª ed. Buenos Aires: La Ley, 2009.
RUSCONI, Dante. Manual de derecho del consumidor. 1ª ed. Buenos Aires: AbeledoPerrot, 2009.
SODRÉ, Marcelo Gomes. A Construção do direito do consumidor – Um estudo sobre as origens das leis principiológica de defesa do consumidor. São Paulo: Atlas, 2009.
STIGLITZ, Gabriel. Reglas para la defensa de los consumidores y usuarios. Rosario: Juris, 1997.
20/1/2014

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