quarta-feira, 4 de junho de 2014

FILOSOFIA. PLATÃO.DEUS.(Stephen Law)

“Filosofando
iG Paulista - 04/06/2014 - 05h00 |
Rodrigo de Moraes | rodrigo@rac.com.br

Platão disse que a filosofia começa com o espanto. Dia desses, o garoto Vinicius, filho de uma amiga, desnorteou a mãe com a seguinte pergunta: “Em quem Deus acredita?”.

Vinicius tem 6 anos. Thor e Homem-Aranha estão entre seus super-heróis prediletos. Chora para lavar a cabeça, luta contra o sono quando tem visitas em casa, frequenta a escolinha, brinca com outros meninos e meninas. É um garoto normal e bacana, como muitos outros garotos normais e bacanas de sua idade. E, porque criança, não tem conceitos sedimentados sobre o mundo: tudo é novidade, e tudo é espanto diante da novidade.

Daí que o rapazinho, em um exercício de metafísica, se saiu com essa, de exasperar teólogos, e também me deixou pensando a respeito.

Estou lendo Filosofia (Zahar, 2011), de Stephen Law. É um guia introdutório ao assunto, que me intriga desde os tempos de faculdade: tenho certa dificuldade de abarcar conceitos de lógica e pensamento abstrato, e às vezes sou assaltado pela ideia de que tenho um intelecto limitado para essas coisas. De qualquer forma, me propus a começar do começo, e encarei as páginas do livro.

De saída, fiquei fascinado com um fato (um tanto óbvio, vá lá): os filósofos têm postura semelhante à de crianças ao questionar crenças fundamentais. Um bom exercício para isso seria, justamente, encarar “Deus” como um conceito,
independente de seu aspecto religioso ou teológico, e confrontar a afirmação de que ele se explica por si só, que é “supremo” e que “ele” não precisa acreditar em algo ou alguém.

Foi o que Vinicius fez, em sua audácia inocente e infantil. Claro que, se levada adiante, essa discussão está fadada a entrar em um beco sem saída e resvalará para fora do escopo da filosofia: vai virar uma questão de fé. Mas é um ótimo começo para se pensar filosoficamente.

Há uma antiga discussão sobre o conceito de conhecimento em torno do qual se digladiam diversas correntes de pensamento. Em seu livro, Law menciona uma teoria, bastante aceita, de que o conhecimento repousa sobre determinadas crenças básicas que sustentam outras, como o alicerce de uma construção.

Mas, como diz o autor, se, por exemplo, creio que Napoleão era corso, tenho que acreditar também, para justificar minha crença, que as fontes históricas que afirmam isso são confiáveis, e daí por diante. A questão aí, diz Law, é que “se toda crença só justifica com base em alguma outra, temos uma regressão ao infinito”. Ou seja, eu teria que passar o resto da minha vida justificando, no fim sem conseguir, a minha crença de que Napoleão nasceu na Córsega.

Os fundacionalistas, porém, oferecem uma solução para esse impasse ao evocar as tais crenças básicas, que não precisam ser justificadas e que formam os fundamentos sobre os quais todo o conhecimento repousa.

Indo mais longe, se o caso for justificar também essas crenças primordiais, os empiristas — que têm o inglês John Locke e o escocês David Hume entre seus principais representantes — afirmam que todo o conhecimento é fundado no que experimentamos. Ou seja, nossas experiências sensoriais — visão, tato, audição etc — constituiriam meios inequívocos para estabelecer as nossas chamadas “crenças básicas”.

É certo que, nesse caso, estabelecer “Deus” como uma crença fundamental estaria fora de questão, porque não o experimentamos com nossos sentidos (alguém pode refutar essa afirmação e dizer que “viu” ou “ouviu” Deus, mas essa seria uma experiência extrassensorial).

Enfim, essa discussão é vasta e interminável, assim como são infinitas as possibilidades do intelecto humano. E a jornada de Vinicius, cuja cacholinha já roda a mil por hora, recém-começou”.
Fonte: www.ig.com.br

Acesso: 04/06/2014

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