Para
a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a ação de
reconhecimento de união estável homoafetiva, ajuizada após a
formalização de escritura pública de sociedade de fato, é dotada de
interesse de agir. No caso julgado, o objetivo da ação é ter a união
estável declarada para fins de concessão de visto definitivo de
permanência de estrangeiro no país.
Em
fevereiro de 2010, um dos autores da ação veio para o Brasil com visto
temporário de trabalho e passou a residir e manter união afetiva de
maneira ininterrupta e pública com o companheiro brasileiro. O casal
formalizou escritura pública de declaração de sociedade de fato para
efeitos patrimoniais, na qual adotaram o regime de separação total de
bens.
Em
outubro de 2011, o casal ajuizou ação declaratória de união estável
homoafetiva, com o intuito de que fosse reconhecida judicialmente a
existência da entidade familiar.
Interesse de agir
Na
primeira instância, o juiz indeferiu o pedido afirmando falta de
interesse de agir. Para o juízo, como os autores já possuíam escritura
pública de sociedade de fato reconhecida em cartório, era desnecessária a
intervenção do Judiciário para “reafirmar situação juridicamente
consolidada”.
O
Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF) manteve a tese da
sentença e declarou que faltava interesse de agir, pois a pretensão do
casal era apenas obter documento para instruir pedido de concessão de
visto permanente para o estrangeiro. Ressaltou que o meio adequado para
constituir prova sobre união estável era a justificação judicial, de
competência da Justiça Federal.
O
casal recorreu ao STJ. Alegou que seu interesse desde o princípio era
ter o reconhecimento judicial da entidade familiar e não apenas provar a
união para concessão de visto permanente. Também sustentou que houve
violação dos artigos 4º, inciso I, e 861 a 866 do Código de Processo Civil (CPC).
Baseados
em precedentes do próprio STJ, como os Recursos Especiais 964.489,
827.962, 1.183.378 e 1.199.667, os ministros da Terceira Turma
reformaram o entendimento do tribunal de origem.
No
voto, a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, citou “decisão
histórica do Supremo Tribunal Federal”, que reconheceu a união estável
entre pessoas do mesmo sexo na ADPF 132, com fundamentos encampados pela
ADI 4.277.
Igualdade
A
ministra afirmou que o STJ tem admitido aos casais homoafetivos a
aplicação analógica das regras legais relacionadas à união estável entre
heterossexuais para, “em nome da igualdade, conferir idêntico direito a
casais formados por pessoas do mesmo sexo”.
De
acordo com Nancy Andrighi, deve ser dispensado à união homoafetiva o
mesmo tratamento conferido à união de heterossexuais. “Para ambos, devem
estar disponíveis os mesmos instrumentos processuais destinados ao
reconhecimento da entidade familiar”, disse.
A
relatora explicou que, se determinada situação “é possível ao extrato
heterossexual da população brasileira, também o é à fração homossexual,
assexual ou transexual, e a todos os demais grupos representativos de
minorias de qualquer natureza, que são abraçados, em igualdade de
condições, pelos mesmos direitos e se submetem, de igual forma, às
restrições ou exigências da mesma lei, que deve, em homenagem ao
princípio da igualdade, resguardar-se de quaisquer conteúdos
discriminatórios”.
Família
Segundo
Nancy Andrighi, a escritura pública de declaração de sociedade de fato
para efeitos patrimoniais possui característica exclusivamente econômica
e patrimonial, ignorando-se a existência de um vínculo afetivo.
Em
virtude disso, afirmou a ministra, existe a necessidade de reconhecer a
relação do casal como uma família propriamente dita. Nesse sentido, a
chancela judicial “irradia efeitos não apenas no contexto social em que
estão inseridos os interessados, mas também no próprio íntimo destes, na
medida em que passam a experimentar, em sua plenitude, o sentimento de
integrar a sociedade na condição de uma entidade que, além de ser a base
desta, lhe é precursora”, declarou.
Negar
aos recorrentes o direito ao reconhecimento de sua união, sob o
argumento de que pretendem apenas fazer prova de circunstância que
interessa à concessão de visto definitivo de permanência em solo
brasileiro, “equivale à própria negativa de lhes assegurar a via
judicial para reconhecimento e declaração da união nutrida”, ponderou
Nancy Andrighi.
Justificação
A ministra explicou que não houve propriamente violação dos artigos 861 a
866 do CPC, mas uma “má aplicação do instituto da justificação” ao caso
deles. Entretanto, de acordo com a relatora, foi “flagrante” a ofensa
ao artigo 4º, inciso I, do CPC.
Andrighi
considerou que, mesmo sendo possível a utilização da justificação como
instrumento apto a comprovar fato específico, tendo em vista uma
finalidade determinada, ainda assim existe o interesse de agir dos
recorrentes para pleitear em juízo um objetivo mais amplo e elevado: “O
reconhecimento de uma entidade familiar oriunda de união homoafetiva.”
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Qualquer sugestão ou solicitação a respeito dos temas propostos, favor enviá-los. Grata!