“HC 116906 / MT - MATO GROSSO
HABEAS CORPUS
Relator(a):  Min. ROSA WEBER
Julgamento: 11/04/2013
Publicação
PROCESSO ELETRÔNICO
DJe-070 DIVULG 16/04/2013 PUBLIC 17/04/2013
Partes
PACTE.(S)           : JAIR ROBERTO MARQUES
IMPTE.(S)           : ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL DA SECCIONAL DO ESTADO DE MATO GROSSO
ADV.(A/S)           : MAURÍCIO AUDE E OUTRO(A/S)
COATOR(A/S)(ES)     : RELATORA DO HC Nº 261104 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ADV.(A/S)           : MARCONDES RAI NOVACK
ADV.(A/S)           : CLAUDIA ALVES SIQUEIRA
Decisão
    Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado pela Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Estado de Mato Grosso, em favor de Jair Roberto Marques contra decisão monocrática exarada pela Ministra Marilza Maynard (Desembargadora
convocada do TJ/SE), do Superior Tribunal de Justiça, que indeferiu liminarmente o HC 261.104/MT.
    O paciente foi denunciado pela prática do crime do art. 102 da Lei 10.741/2003, consistente em “apropriar-se de ou desviar bens, proventos, pensão ou qualquer outro rendimento do idoso, dando-lhes aplicação diversa da de sua finalidade”. Narra a
denúncia que, em processo de natureza previdenciária, o acusado teria contratado com a suposta vítima, de 79 (setenta e nove) anos, o valor de 20% de honorários sobre o valor a ser recebido a título de verbas previdenciárias. Ao ser expedido o alvará,
todavia, aproveitando-se do fato de ser a idosa analfabeta, teria ficado com 50% do valor recebido.
    A Defesa pleiteou perante o Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso o trancamento da ação penal por ausência de justa causa ao argumento de ter havido apenas divergência entre os valores dos honorários. Alegou que, se houvesse abuso
profissional, eventual responsabilidade teria de ser apurada perante o Tribunal de Ética da OAB.
    A Corte de Apelação denegou a ordem, razão pela qual impetrado novo writ perante o mesmo Tribunal, que não o conheceu ao fundamento de se tratar de reiteração do pedido anterior.
    Inconformada, a Defesa impetrou o citado habeas corpus perante o Superior Tribunal de Justiça, que o indeferiu liminarmente pela inadequação da via eleita.
    No presente writ, alega a Impetrante que o paciente não esteve em momento algum com o dinheiro resultante do levantamento do alvará judicial, sendo atípica sua conduta, o que não foi objeto de exame nem pelo Tribunal de Justiça estadual nem pelo
STJ. Insiste ausente a justa causa para a persecução penal, ao argumento de que a suposta vítima era a única pessoa autorizada a retirar o alvará e foi quem permitiu o depósito do valor relativo aos honorários na conta do paciente. Pede, liminarmente, a
suspensão da ação penal e, no mérito, seu trancamento.
    É o relatório.
    Decido.
    Registro de imediato que não esgotada a jurisdição do Superior Tribunal de Justiça.
    O ato impugnado é decisão monocrática – a desafiar, enquanto tal, agravo regimental –, e não o resultado de julgamento colegiado do Superior Tribunal de Justiça.
    Por outro lado, não merece reparo a decisão que indeferiu liminarmente o HC 261.104/MT, forte na inadequação da via eleita, impetrado que foi o habeas corpus como substitutivo do recurso especial.
    No ponto, foram observados, com as devidas adaptações, os precedentes da Primeira Turma desta Suprema Corte que não vem admitindo a utilização de habeas corpus em substituição ao recurso ordinário.
    Tal entendimento foi assentado, em 08.8.2012, no julgamento do HC 109.956/PR:
    “HABEAS CORPUS - JULGAMENTO POR TRIBUNAL SUPERIOR - IMPUGNAÇÃO. A teor do disposto no artigo 102, inciso II, alínea a, da constituição Federal, contra decisão, proferida em processo revelador de habeas corpus , a implicar a não concessão da ordem,
cabível é o recurso ordinário. Evolução quanto à admissibilidade do substitutivo do habeas corpus. PROCESSO CRIME DILIGÊNCIAS INADEQUAÇÃO. Uma vez inexistente base para o implemento de diligências, cumpre ao Juízo, na condução do processo,
indeferi-las.” (HC 109.956/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, por maioria, DJe 11.9.2012).
    Da minha lavra, destaco o HC 108.390/MS:
    “HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. SUBSTITUTIVO DO RECURSO CONSTITUCIONAL. INADMISSIBILIDADE. CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 102, II, a. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA DA PENA. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, § 4º, DA LEI 11.343/06. REGIME INICIAL DE
CUMPRIMENTO DE PENA. 1. O habeas corpus tem uma rica história, constituindo garantia fundamental do cidadão. Ação constitucional que é, não pode ser amesquinhado, mas também não é passível de vulgarização, sob pena de restar descaracterizado como
remédio heroico. Contra a denegação de habeas corpus por Tribunal Superior prevê a Constituição Federal remédio jurídico expresso, o recurso ordinário. Diante da dicção do art. 102, II, a, da Constituição da República, a impetração de novo habeas corpus
em caráter substitutivo escamoteia o instituto recursal próprio, em manifesta burla ao preceito constitucional. Precedente da Primeira Turma desta Suprema Corte. 2. O Plenário do Supremo Tribunal Federal reputou inválidas, para crimes de tráfico de
drogas, a vedação à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito e a imposição compulsória do regime inicial fechado para cumprimento de pena. Os julgados não reconheceram direito automático a esses benefícios. A questão há de
ser apreciada pelo juiz do processo à luz do preenchimento, ou não, dos requisitos legais gerais dos arts. 33 e 44 do Código Penal. Circunstâncias judiciais desfavoráveis do artigo 59 do Código Penal constituem motivo válido para negar a substituição e
para impor o regime fechado, conforme remissões do art. 33, § 3º, e do art. 44, III, do mesmo
diploma
 legal. 3. Habeas corpus extinto sem resolução do mérito.” (HC 108.390/MS, Min. Rosa Weber, 1ª Turma, un. , j. 02.10.2012).
    Logo, como a decisão atacada, mutatis mutandis, está em consonância com os precedentes da Primeira Turma, não há como reconhecer a plausibilidade da pretensão veiculada na inicial.
    Além disso, a jurisprudência desta Suprema Corte é pacífica no sentido de que o trancamento da ação penal é medida excepcionalíssima, e se admite apenas quando evidenciada a manifesta atipicidade ou licitude da conduta ou a falta de justa causa.
    Da minha lavra:
    “HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. DESCRIÇÃO SUFICIENTE DAS CONDUTAS NA DENÚNCIA. ORDEM DENEGADA. 1. Paciente denunciada pelo Ministério Público Federal pela participação em organização
criminosa, com outros cinquenta e cinco coacusados, entre empresários e servidores públicos, com o fito de fraudar licitações públicas. 2. Suficiente a descrição das condutas imputadas à paciente bem como a correlação com os crimes que lhe foram
imputados (arts. 288, 313-A, 317 e 321 do Código Penal), cumpridos os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal. 3. Pode-se confiar no devido processo legal, com o trâmite natural da ação penal, para prevenir de forma suficiente eventuais
ilegalidades, abusos ou injustiças no processo penal, não se justificando o trancamento da ação penal, salvo diante situações excepcionalíssimas. Deve-se dar ao processo uma chance, sem o seu prematuro encerramento. 5. Habeas corpus denegado.” (HC
104414/AM – Rel. Min. Rosa Weber – Primeira Turma – un. - j. 26.6.2012)
    Destaco ainda os seguintes precedentes:
    “HABEAS CORPUS. PACIENTE DENUNCIADO PELO CRIME PREVISTO NO ART. 1º, I, DA LEI 8.137/1990. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. NÃO OCORRÊNCIA. MEDIDA EXCEPCIONAL CUJA PERTINÊNCIA NÃO RESTOU DEMONSTRADA. IMPOSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DO
PROCESSO DE CONHECIMENTO PELA VIA ESTREITA DO HABEAS CORPUS. WRIT PARCIALMENTE CONHECIDO E DENEGADO. I – A denúncia narra fato típico imputado ao paciente, bem assim os indícios de materialidade e autoria, com destaque para o fato de o crédito
tributário ter sido constituído, definitivamente, em novembro/2009, sem que exista qualquer causa de extinção da punibilidade ou de suspensão da pretensão punitiva. II – O trancamento da ação penal, em habeas corpus, constitui medida excepcional que só
deve ser aplicada nos casos de manifesta atipicidade da conduta, de presença de causa de extinção da punibilidade do paciente ou de ausência de indícios mínimos de autoria e materialidade delitivas, o que não ocorre na situação sob exame.
    III – A jurisprudência desta Corte, de resto, em diversas oportunidades, assentou o entendimento de que não se pode substituir o processo de conhecimento pela via excepcional do habeas corpus, o qual se presta, precipuamente, para afastar a
manifesta violência ou coação ilegal ao direito de locomoção.” (HC 110.466/RJ – Rel. Min. Ricardo Lewandowski – 2ª Turma – un. - j. 06.3.2012 – Dje 057, de 19.3.2012)
    “1. É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em considerar excepcional o trancamento da ação penal, pela via processualmente acanhada do habeas corpus. Via de verdadeiro atalho que somente autoriza o encerramento prematuro do
processo-crime quando de logo avulta ilegalidade ou abuso de poder (HCs 86.362 e 86.786, da minha relatoria; e 84.841 e 84.738, da relatoria do ministro Marco Aurélio).” (HC 107.187/SP – Rel. Min Ayres Britto – un. - j. 06.3.2012 – Dje 065, de
29.3.2012)
    No caso, consta dos autos ter o magistrado de primeiro grau informado que:
    “(...) ao ser expedido alvará por este Juízo, no valor de R$ 32.767,88 (trinta e dois mil, setecentos e sessenta e sete reais e oitenta e oito centavos) o Paciente apropriou-se da quantia de 20% (vinte por cento) a mais do valor contratado. Ainda
conforme consta da denúncia a vítima é analfabeta e o paciente, aproveitando-se de tal fato, fez com que a vítima apusesse sua impressão digital no documento de fls. 12-v, para que 50% (cinquenta por cento) do valor liberado pelo Juízo fosse depositado
em sua conta pessoal, desviando a quantia de 20% (vinte por cento) a mais do que havia acordado.”
    Ora, dos fatos narrados há indícios de materialidade e autoria, amoldando-se, em tese, a conduta do paciente ao tipo do artigo 102 da Lei 10.741/2003, uma vez que teria se apropriado de parte de rendimentos previdenciários da idosa em seu favor, ao
fazer com que a vítima apusesse impressão digital autorizando liberação de valor superior ao devido de honorários advocatícios. Por oportuno, destaco, que, conforme lição de NUCCI, “excepcionalmente, pode o agente apossar-se daquilo que não detinha
antes” (NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais comentadas. 5ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 712), o que mais fragiliza, ainda, a tese esposada pela Defesa.
    Assim, não vislumbro manifesta atipicidade da conduta ou causa de extinção da punibilidade a autorizar o trancamento da ação penal na já inadequada via eleita.
    Ante o exposto, nego seguimento ao presente habeas corpus (art. 21, § 1º, RISTF)”.
    Publique-se.
    Brasília, 11 de abril de 2013.
Ministra Rosa Weber
Relatora

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