Ação pede limites à Justiça Militar para julgar civis em tempos de paz



A Procuradoria Geral da República (PGR) ajuizou, no Supremo Tribunal Federal (STF), a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 289, em que pede que seja dada ao artigo 9º, incisos I e III, do Código Penal Militar (CPM, Decreto-Lei nº 1.001/1969), interpretação conforme a Constituição Federal (CF) de 1988, a fim de que seja reconhecida a incompetência da Justiça Militar para julgar civis em tempo de paz e que esses crimes sejam submetidos a julgamento pela Justiça comum, federal ou estadual. A PGR pede também a concessão de liminar para suspender, até julgamento de mérito da ADPF, qualquer ato que possa levar civis a serem julgados pela Justiça Militar em tempos de paz.

A ação destaca que o artigo 124 da CF dispõe que cabe à Justiça Militar processar e julgar os crimes militares definidos em lei, e que o Superior Tribunal Militar (STM) entende que tal dispositivo permite que civis se submetam a sua jurisdição, tendo em vista o disposto no artigo 9º do CPM.

Lesão

A Procuradoria sustenta, entretanto, que “a submissão de civis à jurisdição da Justiça Militar, em tempo de paz, viola o estado democrático de direito (artigo 1º da CF), o princípio do juiz natural (artigo 5º, inciso LIII, da CF), além do princípio do devido processo legal material e, ainda, os artigos 124 (competência da Justiça Militar para julgar os crimes militares) e 142 (dispõe sobre as Forças Armadas) da CF.

Fundamenta seu pleito com o argumento de que, em regime de normalidade institucional, a competência da Justiça Militar é excepcional para o julgamento de civis. De acordo com a PGR, “atualmente, tratando-se de crime militar praticado por civil, para definir-se a competência, investiga-se qual a intenção do agente civil. Se, de qualquer modo, atingir a instituição militar, será considerado crime militar, e a competência para julgamento será da Justiça Militar. Caso contrário, o crime terá natureza comum, atraindo a competência da Justiça comum, federal ou estadual.

A Procuradoria argumenta que, como depende de ofensa a bens jurídicos tipicamente associados à função de natureza castrense ou a eles conexos, a materialização do delito militar, de caráter excepcional, pressupõe ofensa à defesa a pátria, à garantida dos poderes constitucionais e à garantia, por iniciativa destes, da lei e da ordem. Portanto, qualquer delito cometido por civis em tempo de paz que não venha a ofender esses bens jurídicos não se enquadra na excepcionalidade da competência da Justiça Militar para julgá-los.

“Permitir que civis em tempo de paz sejam submetidos à jurisdição militar é estender a eles, por via transversa, os mesmos princípios e diretrizes que são próprios ao regime jurídico constitucional especial dos militares, cujo objetivo não poderia ser outro senão resguardar a hierarquia e a disciplina, como forma de garantir o cumprimento da missão de proteger os bens jurídicos garantia da pátria, garantia dos poderes constitucionais e a garantia, por iniciativas destes, da lei e da ordem”, afirma.

“Não é possível sujeitar civis a julgamento por Tribunais Militares em tempo de paz”, sustenta ainda a PGR, ressaltando que não defende a descriminalização dos crimes militares impróprios (não tipicamente militares), mas exclusivamente a competência jurisdicional. “Qual o sentido de a Justiça Militar julgar civis em tempo de paz, se o que justifica a jurisdição militar especial é o respeito à hierarquia e à disciplina, e se o agente de crime militar impróprio é civil, desconhecedor da hierarquia e disciplina?”, questiona. “Como um civil em tempo de paz seria capaz de atentar contra a hierarquia e a disciplina da tropa, se ele nem sequer é militar ou integra os efetivos das Forças Armadas?”, prossegue.

Assim, segundo a PGR, submeter civis em tempo de paz ao julgamento pela Justiça Militar configura evidente violação ao princípio constitucional do juiz natural. “O Estado deve respeitar a garantia básica do juiz natural e o seu corolário - a proibição dos tribunais de exceção - que impede o desrespeito às regras objetivas e predeterminadas de determinação da competência”, sustenta.

Cita diversos precedentes em que o STF entendeu que a Justiça Militar é incompetente para julgar civis em tempos de paz, se a ação delituosa praticada não afetar a integridade, dignidade, funcionamento e a respeitabilidade das instituições miliares. Entre eles estão os Habeas Corpus (HCs) 103318, 104617, 104837 e 96083. Reporta-se, também, à decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Palamara Iribarne versus Chile, no qual determinou à República do Chile que estabelecesse limites aos Tribunais Militares, ajustando seu ordenamento interno aos padrões internacionais sobre jurisdição penal militar, de forma que esta fosse limitada ao conhecimento de delitos funcionais cometidos por militares em serviço.

Traz, também, um caso de 1866, em que a Suprema Corte dos Estados Unidos invalidou a condenação de um civil por comissão militar, por entender que ele não poderia ser julgado por corte militar, quando havia órgão da Justiça comum funcionando regularmente.
O relator da ação é o ministro Gilmar Mendes.

Processos relacionados: ADPF 289


Fonte: Supremo Tribunal Federal

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