Relatório sobre Tráfico de Pessoas 2011

“Relatório sobre Tráfico de Pessoas 2011: Prevenção
06 Julho 2011
O trecho a seguir faz parte do Relatório sobre Tráfico de Pessoas (TIP) 2011. O secretário de Estado apresenta esse relatório anualmente ao Congresso, conforme previsto na Lei de Proteção às Vítimas do Tráfico (TVPA), de 2000, a primeira legislação federal abrangente dos EUA para proteger as vítimas de tráfico e processar os traficantes. O Relatório TIP define vários termos relativos ao tráfico humano e define um arcabouço de medidas de prevenção, proteção e processo penal para combater o tráfico de pessoas e proteger as vítimas.
Rumo a uma década de resultados — prevenção
[Departamento de Estado dos EUA]
Escritório de Monitoramento e Combate ao Tráfico de Pessoas
Relatório sobre Tráfico de Pessoas 2011
Desde 1904, os governos concordaram em trabalhar em conjunto para evitar o “tráfico de escravos brancos”. Mais de cem anos depois, os traficantes continuam a encontrar novas vítimas e, em muitas jurisdições, a operar com impunidade. A conscientização pública do tráfico humano — inclusive a conscientização dos sinais de alerta e das respostas necessárias — é crucial e deve ser contínua. Mas a conscientização pública é somente um dos componentes da prevenção. Há, sob o controle dos governos, fatores sistêmicos que contribuem para o tráfico, os quais podem e devem ser mudados. Por exemplo, muitos governos do mundo em desenvolvimento incentivam a migração de mão de obra como meio de fomentar as remessas de divisas, porém não controlam de forma adequada recrutadores privados que exploram migrantes e os tornam vulneráveis ao tráfico. Maiores esforços para regulamentar e monitorar esse recrutamento, além de outras práticas auxiliares, podem impedir o acesso de traficantes a populações vulneráveis, bem como expulsá-los de seus negócios ilegítimos.
Ao reconhecer e enfrentar evidências de escravidão em sua área de atuação — compras governamentais de produtos fabricados e serviços prestados à custa de pessoas em sistema de trabalho forçado —, cada governo pode mudar drasticamente as políticas econômicas que perpetuam a escravidão moderna.
Governo: foco na demanda
A demanda por produtos, serviços, mão de obra e sexo baratos abre oportunidades para a exploração de populações vulneráveis. E é sobre essa demanda que floresce o tráfico humano. Pessoas são compradas e vendidas como mercadorias dentro e através de fronteiras para satisfazer a demanda de compradores. Pobreza, desemprego, falta de oportunidades, revolta social e instabilidade política tornam mais fácil o recrutamento de vítimas pelos traficantes, mas não causam o tráfico. A realidade econômica é que o tráfico humano é impulsionado pelo lucro. Se ninguém pagasse por sexo, não existiria o tráfico sexual. Se ninguém pagasse por produtos fabricados com qualquer quantidade que seja de trabalho escravo, o trabalho forçado no setor manufatureiro seria coisa do passado. Cada vez mais, os atores do combate ao tráfico tentam lutar contra a escravidão moderna no lado da demanda, em vez de se concentrar apenas em prisões e processos penais (no lado do fornecimento).
Os governos têm o dever de julgar os traficantes e ajudar as vítimas, mas também são grandes consumidores, gastando centenas de bilhões de dólares por ano em produtos e serviços que vão desde material de construção e armamento até material de escritório e equipamentos tecnológicos. Assim sendo, podem exercer impacto imediato sobre a demanda. Os governos devem examinar suas cadeias de fornecimento e tentar reduzir de maneira significativa a exploração das populações vulneráveis.
Os governos podem fazer muitas coisas para reduzir a demanda. Eles podem, por exemplo, exigir que empreiteiros do governo e terceirizados garantam que os empregados não são contratados ou recrutados por meios fraudulentos ou utilizando taxas excessivas. Essas políticas aumentariam a transparência e tornariam mais difícil aos agenciadores inescrupulosos de mão de obra a utilização da escravidão por dívida como meio de fornecer mão de obra barata para contratos com o governo. Isso é particularmente importante para cidadãos de outros países que muitas vezes são importados para grandes projetos de construção e são mais suscetíveis à exploração devido à distância e ao isolamento, às barreiras de idioma e à dependência do empregador com relação a vistos ou autorizações de trabalho, entre outros fatores. Parcerias público-privadas que criam transparência em cadeias de fornecimento podem ter impacto significativo na redução da demanda, ajudando a tornar a liberdade um imperativo tanto do governo quanto do setor privado.
Os governos podem atacar a demanda por comércio sexual estabelecendo políticas de “tolerância zero” para funcionários e contratantes que participem do tráfico ou de atos envolvendo sexo pago. Essas políticas devem deixar claro que contratantes ou empresas terceirizadas são responsáveis por notificar os funcionários sobre o comportamento proibido e devem prever penalidades severas pelas violações, como rescisão do contrato e/ou exclusão de participação em futuros contratos com o governo. Isso dá às empresas, muitas das quais sujeitas a perder contratos multimilionários caso sejam penalizadas, um incentivo maior para garantir que seus funcionários e terceirizados não colaborem de nenhuma forma com a demanda que contribui para o tráfico sexual.
Embora a proibição do tráfico em todos os contratos do governo seja um primeiro passo importante, sem o acompanhamento adequado, as novas políticas podem perder o sentido. Os governos devem fornecer recursos para capacitação, assistência técnica e auditoria a fim de garantir que o tráfico seja totalmente erradicado de suas cadeias de fornecimento.
Preste atenção no que você come: escravidão e alimentos
As imagens empoeiradas de escravos trabalhando em lavouras enchem as prateleiras e paredes de museus, mas a demanda por produtos baratos em uma economia globalizada sustenta a escravidão atual em campos e fazendas. A escravidão transcontinental e o comércio triangular nortearam os antigos impérios mercantis da Europa e das Américas. Mas a Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que 60% do trabalho infantil mundial está na agricultura, e os produtos agrícolas compreendem a maior categoria de itens na Lista de Bens Produzidos com Trabalho Infantil ou Forçado publicada pelo Departamento do Trabalho (DOL) dos EUA.
Desde as fazendas de cacau da África Ocidental e os campos de algodão do Uzbequistão até as lavouras de tomate dos Estados Unidos, essa forma moderna de escravidão continua comum no setor agrícola e é caracterizada por técnicas que são qualquer coisa menos modernas. De acordo com o DOL, deve haver mais crianças em trabalho forçado no setor agrícola do que no setor industrial. Em alguns países, especialmente no Sul da Ásia, famílias de agricultores continuam a herdar as dívidas de seus ancestrais que, em muitos casos, foram passadas de geração a geração. Ao que tudo indica, a escravidão abrange todos os oceanos, com o trabalho forçado utilizado de forma desenfreada na indústria da pesca comercial em algumas regiões.
Empresas e governos têm papéis importantes a desempenhar na erradicação da escravidão em cadeias de fornecimento. Nesta era de consumidores cada vez mais conscientes, as empresas terão de ser mais meticulosas no rastreamento de suas matérias-primas e no monitoramento de suas cadeias de fornecimento. Os governos devem ser mais diligentes na aplicação das leis e regulamentações existentes. Com a aprovação de novas leis, a possibilidade de rastreamento da matéria-prima está passando de melhor prática voluntária a obrigação legal. Empresas de todos os setores estão enfrentando pressão cada vez maior para tomar conhecimento das condições sob as quais sua matéria-prima é obtida.
Promulgação de normas comerciais
Na economia globalizada de hoje, muitas vezes há interligações complexas entre operações comerciais legais e tráfico humano ilegal. Cada vez mais, o setor privado está reconhecendo seu papel na erradicação do tráfico de pessoas, tanto em medidas preventivas para garantir que as empresas não estejam incentivando a demanda por trabalho forçado, quanto em iniciativas proativas para reduzir ou atenuar esses abusos. Há também interesse público cada vez maior em saber onde e como produtos e alimentos são produzidos, fabricados, processados e distribuídos. Consumidores, ativistas e investidores estão conclamando empresas a firmar e implementar códigos de conduta ética.
As empresas exercem um papel crucial na garantia de que não existe contribuição de trabalho forçado nos produtos que compramos. Dada a complexidade das cadeias de fornecimento atuais, contudo, as soluções mais eficazes para acabar com o trabalho forçado virão da colaboração entre governos, empresas, sociedade civil e consumidores. Alguns exemplos recentes de abordagens que incluem muitas partes interessadas em combater a escravidão nas cadeias de fornecimento indicam grandes esperanças.
O Grupo Consultivo para Eliminar o Uso do Trabalho Infantil e Forçado em Produtos Agrícolas Importados foi criado pela Lei Agrícola de 2008 para fazer recomendações ao secretário de Agricultura dos EUA com relação às diretrizes para reduzir a possibilidade dos produtos agrícolas importados pelos Estados Unidos contribuírem para a escravidão. O Grupo Consultivo consiste em membros do governo, do setor privado, da sociedade civil e de instituições de ensino superior e de pesquisa. Os conhecimentos especializados combinados dessas áreas ajudaram a elaborar um conjunto de diretrizes voluntárias para o setor que definem as melhores práticas para o monitoramento e a verificação independente de terceiros, esforços de reparação e transparência. As diretrizes podem ser encontradas em http://www.fas.usda.gov/info/Child_labor/Childlabor.asp.
A Lei da Transparência em Cadeias de Fornecimento da Califórnia, de 2010, exige que varejistas e fabricantes da Califórnia divulguem para o público seus esforços para erradicar a escravidão e o tráfico humano em toda a sua cadeia de fornecimento direto. Essa legislação se aplica a varejistas e fabricantes com mais de US$ 100 milhões em rendimento bruto anual no mundo todo. Isso afeta mais de 3 mil empresas que atuam na Califórnia. Essas empresas representam aproximadamente 87% da atividade econômica do estado, detentor da oitava maior economia do mundo. A partir de janeiro de 2012, as empresas afetadas por essa legislação terão de postar em seus sites as políticas que colocaram em vigor para garantir que em suas cadeias de fornecimento não haja escravidão nem tráfico humano. Essas políticas podem incluir avaliação e enfrentamento do risco de tráfico de pessoas, auditoria dos fornecedores e capacitação de funcionários e gerenciamento de situações de tráfico humano e escravidão. O texto da lei da Califórnia pode ser encontrado em http://go.usa.gov/D8n.
Pessoas não são garantias
Uma das suposições mais comuns sobre as vítimas do tráfico é que elas costumam vir das comunidades mais pobres e isoladas. Estudos das populações nos países de origem do tráfico transnacional e interno mostram que a incidência do tráfico é maior entre aqueles que se tornaram capacitados o suficiente para aspirar por uma vida melhor, mas têm poucas boas opções para realizar essas aspirações. Por exemplo, frequentaram uma escola para meninas e agora percebem que sua formação está acima das poucas opções existentes no povoado em que vivem. Viram alguém voltar para casa com dinheiro para sustentar a família. Assistiram a um programa de televisão que mostra a agitação da vida na cidade grande, ou simplesmente têm coragem suficiente para tentar construir uma vida melhor se ao menos soubessem por onde começar.
É aí que entram os traficantes. Aproveitando a lacuna de informações, eles se oferecem para fazer a intermediação — para um bom emprego, uma vida melhor, uma opção de transporte. Usam a esperança inata de suas vítimas, assim como a capacidade que elas têm de imaginar uma oportunidade de vida melhor. Exploram a fé e a confiança de suas vítimas em sua própria capacidade de vencer. Encontram pessoas que não têm nada e as coagem a usar sua vida e sua liberdade como garantias para um futuro melhor. Embora amplas iniciativas econômicas não possam ser consideradas automaticamente atividades de prevenção no combate ao tráfico, os governos devem reconhecer a desigualdade de acesso ao capital quando consideram os esforços para reduzir a vulnerabilidade à escravidão moderna.
Trabalhadores migrantes não deveriam precisar contrair dívidas com agenciadores de mão de obra para garantir empregos no exterior. Em vez disso, os governos poderiam fornecer empréstimos modestos para cobrir custos de viagem e proteger os direitos dos trabalhadores enquanto estiverem no exterior. Povoados inteiros não deveriam estar submetidos à armadilha da escravidão pelas dívidas herdadas de gerações anteriores. Por esse motivo, os governos poderiam fornecer alternativas legais de crédito e aplicar leis existentes há décadas banindo a escravidão por dívida que passa de geração a geração.
A história moderna prova que o microcrédito e o microfinanciamento podem melhorar a situação das mulheres, promover melhor nutrição, aumentar o acesso à assistência médica e à educação, além de ampliar o acesso das comunidades ao crédito. Quando combinadas com programas de metas de combate ao tráfico, as iniciativas de microfinanciamento podem atuar como libertadores, dando oportunidades sem riscos e reabilitação para um futuro com apoio monetário. E o microempréstimo não é a única solução — colocar os traficantes na prisão e distribuir os ganhos ilícitos para suas vítimas são os objetivos finais do programa de perdão das dívidas.
Origem e destino: o desafio da mão de obra em uma sociedade globalizada
Os migrantes são vulneráveis à escravidão moderna. As mulheres viajam com sonhos de uma vida melhor e um emprego como garçonete ou empregada doméstica e acabam escravizadas na prostituição ou em servidão doméstica. Trabalhadores caem na armadilha da escravidão por dívida — de diversas maneiras, em consequência dos custos da migração, tais como taxas de recrutamento. E não é somente a migração ilegal; o relatório de 2011 detectou casos no mundo todo em que as vítimas viajaram ao país de destino por meios legais e acabaram sendo escravizadas após a chegada.
De acordo com o Banco Mundial e a Organização Internacional para as Migrações (OIM), o número de migrantes internacionais no mundo de hoje aumentou rapidamente durante as últimas décadas: 215 milhões em 2010, bem acima dos 191 milhões em 2005. Em 2010, estima-se que o fluxo das remessas de dinheiro no mundo todo ultrapassou US$ 440 bilhões (em comparação com os US$ 275 bilhões em 2005), tendo os países em desenvolvimento recebido US$ 325 bilhões em remessas (em comparação com os US$ 192 bilhões em 2005). Em 2009, a parcela de remessas no PIB de alguns países menores foi extremamente grande: o Tajiquistão atingiu um recorde na proporção de remessas/PIB de 36%; Tonga, 28%; Lesoto, 25%; Moldávia, 31%; e o Nepal, 23%.
Embora a migração seja um instrumento importante para o desenvolvimento econômico tanto em âmbito individual quanto nacional, há necessidade urgente de fortalecer a cooperação e as normas internacionais para administrar a migração de mão de obra. De acordo com a OIM, a maioria dos países do mundo — e não apenas no mundo em desenvolvimento — não tem capacidade de administrar com eficácia a mobilidade internacional das pessoas atualmente. Os fluxos cada vez maiores e o crescimento expressivo de um setor de recrutamento transfronteiriço e voltado para o lucro significam que os migrantes atuais estão vulneráveis a uma ampla gama de abusos, inclusive situações de trabalho forçado e tráfico sexual.
A migração internacional sofre de uma relativa falta de regulamentação. Na melhor das hipóteses, é dominada por um punhado de acordos bilaterais — com graus variados de implementações — e memorandos de entendimento bilaterais não obrigatórios ou acordos regionais. Na pior das hipóteses, é controlada por recrutadores particulares inescrupulosos que, mediante fraudes e sobretaxas, colocam em pouco tempo os migrantes na situação de escravidão por dívida.
Mesmo quando vigoram políticas que permitem a migração legal de mão de obra, os governos devem agir para garantir a proteção aos migrantes durante todo o processo. Mesmo onde há acordos entre governos (cada vez mais comum entre países de origem e de destino), não diminui a necessidade de proteção aos trabalhadores mediante programas de “patrocínio” ou de “trabalho temporário”.
Muito precisa ser feito para proteger os trabalhadores migrantes da exploração subsequente nesses programas. O alto nível de exploração documentada de trabalhadores de baixa qualificação — especialmente empregados domésticos — em todo o Oriente Médio, por exemplo, é prova dessa vulnerabilidade.
Como destacou o Relatório TIP 2010, os fluxos de mão de obra migrante no mundo todo se tornaram cada vez mais femininos, visto que as mulheres estão emigrando para buscar empregos existentes atualmente fora do escopo de proteção normal à mão de obra, como o serviço doméstico. A migração em massa de empregadas domésticas de lugares como Indonésia e Nepal para os Estados do Golfo e a Malásia é intrinsicamente arriscada, sendo comum o abuso físico e sexual dessas mulheres e rara a proteção às empregadas domésticas que sofreram abuso.
Refletindo, pelo menos em parte, essas preocupações com o abuso de migrantes, os países passaram a restringir o trabalho de asiáticos no Oriente Médio e no Leste Asiático. Esses casos não ocorrem simplesmente porque há um patrão abusivo do outro lado. Muitos dos problemas são estruturais. A migração de mão de obra internacional está cada vez mais dominada por recrutadores — tanto autorizados quanto não autorizados. Em vez de incentivar a competição e as competências a serem passadas para trabalhadores ou empregadores potenciais, a drástica expansão desse mercado teve efeito predatório.
Taxas exorbitantes de recrutamento são bastante comuns, assim como situações de propaganda enganosa que atraem trabalhadores para empregos bem diferentes do que foi prometido ou empregos que simplesmente não existem. Nos piores casos, essa exploração pode se transformar em uma situação de trabalho forçado, com restrições sobre a movimentação dos trabalhadores, não pagamento de salários, ameaças e abuso físico e sexual, todos no contexto de uma onerosa taxa de recrutamento.
O período abrangido pelo relatório de 2011 mostrou uma tendência perturbadora: casos de empregadas domésticas em trabalho temporário que sofreram abuso sexual na casa em que trabalhavam foram então terceirizadas por seus patrões para prostituição e incapazes de buscar ajuda devido às leis restritivas sobre trabalho temporário e às dívidas contraídas.
Esses abusos são possíveis porque a relação normal empregador-empregado é distorcida pela pressão financeira de taxas de recrutamento despropositadas em relação aos serviços prestados ou que representam grande parte do dinheiro que os migrantes ganhariam se tudo ocorresse com perfeição. Às vezes, as ameaças mais eficazes feitas por empregadores que querem manter os empregados estrangeiros amedrontados e trabalhando são as de que não permitirão que eles trabalhem. Como trabalhadores temporários quase sempre sofrem restrições quanto a obter outros empregos, ser banido do local de trabalho não representa liberdade, mas pode ser uma coerção que o Protocolo de Palermo busca impedir. Por exemplo, quando os trabalhadores tentam exigir o salário a que fizeram jus ou mesmo conseguir comida suficiente para viver, os empregadores em geral ameaçam confiná-los a um dormitório, de onde não podem sair para buscar emprego e são obrigados a ver sua dívida crescer.
Os governos devem aplicar controles mais rígidos sobre recrutadores particulares. Associações de agências privadas de recrutamento de mão de obra — como a BAIRA em Bangladesh e a ACRA no Camboja — devem ser responsabilizadas pela garantia que dão a seus trabalhadores de uma situação migratória segura e regulamentada. Se o governo for o agenciador da mão de obra, são necessárias salvaguardas contra a corrupção, bem como mecanismos para assegurar que, no país de origem, a polícia ou os serviços de segurança não serão acionados para forçar os trabalhadores a cumprir obrigações enquanto estiverem no exterior. A legislação e os órgãos de segurança nacionais devem fazer cumprir regulamentações que equilibrem os interesses dos agentes privados de recrutamento com os direitos dos trabalhadores, especialmente o direito de relatar abusos sem temer deportação ou retaliação. E as violações não devem ser enfrentadas exclusivamente com medidas reparadoras que possam ser absorvidas no custo do empreendimento, como simples suspensão ou multas administrativas, mas também com penalidades criminais.
Dois modelos costumam ser citados por organizações internacionais como melhores práticas. Nas Filipinas, as agências de recrutamento não podem contratar legalmente pessoas para trabalhar no exterior sem a autorização da Administração Filipina de Empregos no Exterior (POEA).
A POEA, que tem autoridade para colocar agências em período probatório, inclui treinamento para conscientização sobre tráfico em seus seminários de orientação pré-contratação e programas de aconselhamento antes da partida para candidatos a emprego no exterior. No ano passado, recrutadores foram processados nas Filipinas, mesmo quando o abuso ocorreu no exterior. A Coreia do Sul usa um modelo de prevenção contra o tráfico de mão de obra no qual o próprio governo recruta trabalhadores de 13 países, exige treinamento e conscientização e instala centros de recursos para o trabalhador migrante perto dos locais de trabalho. Mas mesmo com esses exemplos, as abordagens nacionais e bilaterais da administração de migração de mão de obra são, na melhor das hipóteses, uma colcha de retalhos.
A contínua identificação de vítimas do tráfico entre populações de migrantes destaca a necessidade de uma estrutura internacional forte para gerenciar a migração de mão de obra. A governança da migração deve se concentrar em facilitar políticas organizadas de migração de pessoas para o benefício de todos. Isso deve ser feito em âmbito nacional, regional e internacional, como foi sugerido pelo Marco Multilateral da OIT para as Migrações Laborais. Sem uma estrutura adequada, a exploração e o abuso de trabalhadores migrantes vão se tornar cada vez mais terríveis à medida que a migração de mão de obra cresce”.


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