Morte de trabalhador por leptospirose leva empresa à condenação em R$ 1 milhão na Justiça do Trabalho
Em
ação movida pelas filhas menores e a companheira de João do Nascimento
Batista, falecido em decorrência de doença do trabalho, a 2ª Turma do
Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região condenou em R$ 1 milhão de
reais a Agropastoril Estevam Ltda, de Rio Branco/AC. A empresa deverá
efetuar o pagamento de pensão mensal vitalícia e indenização por danos
morais.
Segundo
a petição inicial do processo, o trabalhador foi contratado pela
empresa em 20/8/2007, para atuar como auxiliar de produção, no setor de
graxaria, em média das 18h às 06h, tendo recebido como última
remuneração mensal a quantia de R$ 1.155,87, tendo trabalhado até o dia
28/3/2010, quando veio a óbito vítima de leptospirose.
Tramitando
na 3ª Vara do Trabalho de Rio Branco, a ação foi julgada totalmente
improcedente e deferiu às autoras os benefícios da justiça gratuita.
Contudo, inconformadas, recorreram da decisão ao Tribunal Regional,
argumentando que a leptospirose foi a única doença responsável e
configuradora do dano correspondente à morte do trabalhador. Alegam,
também, que a leptospirose está relacionada à profissão do falecido,
havendo elementos nos autos ensejadores da probabilidade de que ele
tenha adquirido a doença no ambiente de trabalho.
Na
defesa, a empresa alegou existência de outras causas indicadas no
atestado de óbito do falecido, além da leptospirose, como determinantes
de sua morte, não merecendo as informações ali lançadas uma compreensão
caolha a que se apegam as reclamantes, por se tratarem de meras
consignações administrativas, sem traduzir um laudo técnico específico e
conclusivo. Ainda argumentaram que ao longo do período em que trabalhou
para a empresa, o trabalhador apresentou outros problemas de saúde,
inclusive com afastamento pelo INSS, percebendo auxílio-doença, para
tratamento de abscesso hepático e fístula biliar, tendo sido submetido a
processo cirúrgico.
Asseguram
na defesa que se houve contaminação por leptospirose, não se deu nas
dependências da empresa, como alegado, pois a endemia em tela própria do
nosso Estado do Acre, cujos fatores concorrentes favorecem ou
possibilitam a propagação e contaminação, como a ausência de esgoto nos
bairros periféricos e de cuidados de higiene e enchentes sazonais.
Aliás, o então empregado morava em região inóspita, que poderia
perfeitamente, ter lhe contaminado.
A Decisão condenatória
A
decisão teve como relatora a desembargadora do trabalho Socorro
Guimarães e o desembargador Carlos Augusto Gomes Lôbo como revisor. Em
seu voto, a relatora cita o instituto da responsabilidade civil que
considera ser a diretriz mais basilar para decisão, a qual regulamenta a
responsabilidade subjetiva, expressa no Código Civil Brasileiro, que é
Aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral,
comete ato ilícito, adotada como regra para a solução dos conflitos de
interesses envolvendo pretensão de ressarcimento por danos de ordem
patrimonial e extrapatrimonial.
A
responsabilização de um agente, pela ótica subjetiva, exige que sejam
identificados, simultaneamente, no contexto, a ocorrência de dano, ação
ou omissão voluntária do sujeito indigitado e nexo de causalidade entre o
dano e a conduta do agente ativo. Na
responsabilidade objetiva, por sua vez, independentemente do elemento
culpa, subsistirá a responsabilidade na reparação do dano. A comprovação
da culpa é desnecessária, já que os riscos da atividade, em sentido
amplo, devem ser suportados por quem dela se beneficia.
A
Lei n. 8.213/91, define legalmente o acidente do trabalho como sendo o
evento que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou
pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art.
11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que
cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da
capacidade para o trabalho e, logo na sequência, traça norma relativa às
doenças em que é possível visualizar a influência da prestação laboral,
preconizando que: doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou
desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é
realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação
mencionada no inciso I.
A
decisão afirma que é inquestionável que a atividade frigorífica oferece
alto grau de risco aos trabalhadores que nela se ativam diariamente,
tanto que o anexo nº 14 da Norma Regulamentadora nº 15 MTE atribui
insalubridade em grau máximo para o trabalho ou operação que demande
contato permanente com carnes, glândulas, vísceras, sangue, ossos,
couros, pêlos e dejeções de animais portadores de doenças
infectocontagiosas (carbunculose, brucelose, tuberculose).
Resta
evidente que o trabalho do obreiro possibilitava o contato com agentes
biológicos ensejadores de risco ocupacional, ainda que as atividades do
frigorífico reclamado passem por inspeções de qualidade, pois do
contrário a enfermidade em debate (leptospirose) sequer figuraria como
doença ocupacional na listagem emitida pelo Ministério do Trabalho,
afirma a decisão, concluindo que a responsabilidade civil objetiva da
reclamada no processo encaixa-se perfeitamente, independentemente da
culpa, levando em consideração apenas a ocorrência da lesão, no caso, a
morte sofrida pelo trabalhador, que possuía esposa e três filhas
menores.
Na
certidão de óbito consta como causa da morte: Distúrbio ácido-básico
grave, insuficiência renal aguda, choque séptico, leptospirose. Assim,
afirma a decisão, que não há necessidade de ser um profissional da área
de medicina para se identificar que a causa básica da morte do
trabalhador, a doença da qual padecia e lhe ceifou a vida, foi a
leptospirose, enquanto as demais causas, constituem meros sintomas
decorrentes da doença, estando aí configurado o dano, um dos dois
elementos caracterizadores da responsabilidade objetiva.
Para
a Justiça do Trabalho, estão configurados os elementos da
responsabilidade subjetiva, nada impedindo a coexistência do
reconhecimento das responsabilidades objetiva e subjetiva. Acerca da
materialização da culpa da reclamada, enceto relembrando que já não é
mais novidade para esta Corte a máxime negligência da aludida empresa
reclamada (Agropastoril Estevam Ltda) para com as normas de saúde e
segurança do trabalhador, assim como daquela que, em diversas outras
ações nesta Justiça, vem sendo reconhecida como sua sucessora (JBS S/A),
afirma a decisão.
Pela
condenação, a pensão mensal vitalícia, no valor de 2/3 do salário do
falecido será calculada sobre a média salarial dos últimos 12 meses,
incluído o duodécimo do 13ª parcela anual e do 1/3 de férias, apurada a
partir de 28/3/2010, atualizado na forma da lei e com os percentuais de
reajustes salariais concedidos aos empregados da reclamada.
A
indenização por danos morais, no importe de R$ 600.000,00, sendo
R$150.000,00 para cada autora. O valor destinado a cada menor deverá ser
depositado em caderneta de poupança, e a movimentação fica restrita até
completarem a maioridade civil de 18 anos, ou antes, mediante
autorização judicial onde reste comprovada a necessidade individual da
utilização do crédito para fins de aquisição de casa própria, gastos com
educação ou saúde.
O
pensionamento deverá ser pago até 3/2/2046 para a viúva e às menores
até estas completarem 18anos de idade ou, em comprovando a condição de
estudantes pela via de artigos de liquidação, até completarem 25 anos,
sendo 50% para a mãe e os outros 50% divididos em partes iguais (1/3)
para as filhas menores. A empresa deverá constituir capital suficiente
para garantir o pensionamento, no valor de R$300.000,00. A decisão é passível de recurso.
Processo n. 0000604-52.2010.5.14.0403
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região
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