: 1. A questão ambiental no mundo de hoje; 2. A proteção constitucional ao meio ambiente. 2.1. O princípio da ubiquidade. 2.2. O princípio da participação. 2.3. O princípio do desenvolvimento sustentável. 2.4. O princípio da precaução. 2.5. O princípio do poluidor-pagador.

"A questão ambiental e alguns princípios constitucionais

Tatiana Cotta Gonçalves Pereira

Resumo: O trabalho busca demonstrar como a questão ambiental está intimamente relacionada com o modo de produção capitalista-industrial; e, a partir disso, numa abordagem principiológica, como nosso ordenamento constitucional tratou da questão.

Palavras-chave: princípios ambientais; ordenamento constitucional ambiental.

Sumário: 1. A questão ambiental no mundo de hoje; 2. A proteção constitucional ao meio ambiente. 2.1. O princípio da ubiquidade. 2.2. O princípio da participação. 2.3. O princípio do desenvolvimento sustentável. 2.4. O princípio da precaução. 2.5. O princípio do poluidor-pagador.

Vivemos um momento de transição histórica. Não somos mais a sociedade do século XX. A revolução tecnológica mudou a vida dos homens de maneira irrefutável e irrevogável. As relações de trabalho, de consumo e na própria família sofreram mudanças significativas. O Estado Nação enfrenta uma grande crise em sua soberania devido à internacionalização do capital e à criação dos blocos de Estados. A crise ambiental é visível a olho nu. A gigantesca desigualdade social gerou uma cisão no seio da sociedade que transformou a vida de todos e que tem, como marca principal, a violência urbana.
O modo de produção capitalista, que tem seu marco inicial na Revolução Industrial do final do século XVIII, tem como característica a super exploração da natureza com o intuito de criar bens, produtos e serviços para maior comodidade para os seres humanos. Naquele momento, se acreditava na inesgotabilidade dos recursos naturais, sendo economicamente mais interessante a produção manufatureira do que a mera exploração dos recursos naturais. Desta forma, surgiu a equação colocada pelos cientistas sociais: países desenvolvidos produzem bens manufaturados e países subdesenvolvidos exportam suas matérias primas.
Vale esclarecer que a equação tem alguns aspectos interessantes: primeiro, a necessidade da exportação de matéria prima natural pelos paises subdesenvolvidos somente se deu quando os recursos naturais dos desenvolvidos se esgotaram; segundo, o desenvolvimento de tecnologia na produção dos bens industriais (de produção e de consumo) foi exclusivo dos países desenvolvidos e, por haver a necessidade de pesquisa, estudo e capital, tais bens sempre foram economicamente mais valorizados que os recursos naturais, que inicialmente estavam à mão; terceiro, jamais houve a transferência desse conhecimento tecnológico para os países pobres, enquanto os recursos naturais destes, conforme já afirmado, foram transferidos para os países ricos a baixo custo.
Portanto, partindo destas premissas, chegamos à realidade atual: o mundo está cheio de tecnologia, que não pára de ser incrementada, logo, produzida; o consumo destas tecnologias é visto como uma necessidade pela maioria dos habitantes do planeta, que descartam rapidamente o que acabaram de obter em função de algo mais “novo” e assim estão sempre comprando (e, num círculo vicioso, mantendo as indústrias produzindo e gerando toneladas de lixo); os recursos naturais estão se esgotando e, mais do que isso, foram “estragados” por esse modo de exploração irracional da natureza.
Desta forma, é inegável que a atual questão ambiental está necessariamente relacionada ao modo como organizamos nossa vida social nos últimos séculos. Não só pela escassez dos recursos naturais (hoje sabemos) e pelo modo de produção e consumo irrefreável do estágio atual da sociedade humana, como também não se pode ignorar que o desenvolvimento econômico das nações está intimamente relacionado à maior ou menor capacidade de exploração desses recursos.
Foi nessa esteira que surgiu a preocupação com a preservação do meio ambiente. Diante da constatação de que a natureza estava acabando, já que espécies inteiras de fauna e flora foram extintas, que a poluição em alguns rios e solos tornaram os mesmos irrecuperáveis, que os recursos naturais que não se esgotaram estavam escassos, começou um movimento de proteção jurídica ao meio ambiente. Afora, é claro, os problemas de saúde que um meio ambiente doente gera no ser humano.
A Constituição Federal de 1988, a primeira Constituição brasileira a dedicar um capitulo ao tema meio ambiente, tem como objetivo a promoção do bem de todos e se fundamenta na dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, a Constituição tem como meta criar uma sociedade livre, justa e solidária, o que não será possível enquanto todas as pessoas não tiverem qualidade de vida. Portanto, a defesa e preservação do meio ambiente é essencial para que possamos atingir os objetivos constitucionais. Desta forma, a preservação do meio ambiente é prioridade para a Constituição Cidadã.
Inicialmente, cabe compreendermos que a Constituição trata o meio ambiente de maneira integrada, não admitindo sua fragmentação: meio ambiente é o todo externo à pessoa humana, que com ela interage.
Assim, o meio ambiente divide-se em:
- Físico ou natural:  constituído pela flora, fauna, solo, água, atmosfera etc., incluindo os ecossistemas  (Art. 225, §1º, I, VII)
- Cultural: constitui-se pelo patrimônio cultural, artístico, arqueológico, paisagístico, manifestações culturais, populares etc. (Art. 215, §1º e §2º).
- Artificial: é o conjunto de edificações particulares ou públicas, principalmente urbanas (Art. 182, Art. 121, XX e Art. 5º, XXIII)
- Do trabalho: é o conjunto de condições existentes no local de trabalho relativos à qualidade de vida do trabalhador (Art. 7º, XXXIII e Art. 200).
Em termos de normas constitucionais, é interessante observar a análise de Costa Neto:
“Em vários momentos, com efeito, a Constituição Federal refere-se a princípios e normas-princípio de conteúdo ambientalista, instituindo-se – pode-se dizer – uma ordem constitucional ambiental. A outra conclusão não se chega a partir da vinculação do exercício do direito de propriedade a uma função social (art.5º, XXIII); da estipulação da defesa do meio ambiente como um princípio geral da atividade econômica (art.170, VI); da definição do meio ambiente como um bem de uso comum do povo (art.225, caput); da exigência de prévio estudo de impacto ambiental para a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente (art.225, §1º,IV); da responsabilização civil, penal e administrativa em relação às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente (art.225,§3º); da previsão de um zoneamento ambiental, com a definição de espaços territoriais especialmente protegidos (art.225, §1º,III); da promoção da educação ambiental e da conscientização pública para a preservação do meio ambiente (art.225,§1º,VI).” (grifos nossos)
Conforme se depreende de tal leitura, o artigo 225 da Constituição tratou, de maneira indireta, de vários princípios constitucionais:
“Art.225: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
Inicialmente, quando o supracitado artigo estatui o meio ambiente como direito de todos, estabelece um direito difuso, isto é, interesse de pessoas (no caso, a humanidade como um todo, inclusive as futuras gerações) sem vinculo jurídico que as una. Ao determiná-lo como obrigação de todos sua defesa e preservação, estabelece o princípio da ubiqüidade, que significa “onipotência”. Isto quer dizer que toda e qualquer atividade humana – seja política, econômica, social – deve levar em consideração a questão ambiental. Nada deve ser decidido sem este olhar. Assim, instrumentos como o Estudo de Impacto Ambiental e o Licenciamento Ambiental foram criados, na tentativa de avaliar condutas possivelmente lesivas ao meio ambiente quando da instalação e manutenção de atividades industriais poluidoras.
Outro princípio inscrito nesse inicio do texto constitucional é o da participação, uma vez que é obrigação de todos: Estado e sociedade civil, zelar pelo meio ambiente. Desta forma, além do papel decisivo do meio ambiente no estabelecimento de políticas publicas, essa políticas devem ser decididas democraticamente, já que os danos ambientais atingem a todos. Para tal, é imprescindível a informação ambiental e a educação ambiental (art.225, §1º, VI).
Um dos princípios mais importantes do Direito Ambiental, o marco referencial, início e fim de toda política publica num Estado de Direito Ambiental, é o desenvolvimento sustentável. Tal princípio é resultado da ponderação entre dois direitos fundamentais de 3ª geração: o direito ao desenvolvimento econômico e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
A idéia parece simples: a garantia da vida, da dignidade da pessoa humana, não será possível sem a melhoria da qualidade de vida. Não basta apenas erradicar a miséria e as desigualdades, distribuir melhor a renda e evitar o desemprego, é preciso assegurar de forma eficaz que todos tenham acesso ao meio ambiente sadio, o que significa reduzir a poluição atmosférica, melhorar o modo de deslocamento das pessoas, reduzir o estresse, atentar para a produção dos alimentos, pois somente dessa forma, se assegura a saúde, o bem estar e a dignidade.
A idéia central deste princípio reside em repor ao ecossistema, na mesma proporção – qualidade e quantidade – aquilo que dele está sendo retirado. Como explica Nicolao Neto:
“Para que um comportamento social atenda ao princípio em comento, é necessário que a taxa de utilização dos recursos naturais seja pelo menos equivalente à taxa de reposição ou de geração de recursos sucedâneos. De igual sorte, a taxa de emissão de efluentes deve ser no máximo igual aos índices de regeneração ambiental. Não sendo alcançadas tais condições, fatal será o processo de degradação ambiental, com a crescente redução dos recursos naturais renováveis.”
Assim, as empresas e os países devem procurar se desenvolver de maneira sustentada, utilizando os recursos naturais, mas preocupando-se em repô-los, se possível, ou preservá-los, se a reposição não for possível. Temos visto no Brasil inúmeras empresas comprometidas com exploração racional dos recursos naturais, reflorestamento, ou adotando a política de emissão zero de carbono (através dos “mecanismos de desenvolvimento limpo”). Existem ainda pesquisas e incentivos para a produção de energia limpa.
No entanto, a maioria dos países (e das empresas) ainda não conseguiu equacionar tal questão, pois a legislação ambiental muitas vezes freia o desenvolvimento normal das atividades industriais, fazendo com que se coloque um conflito inevitável entre a preservação do meio ambiente e a atividade produtiva. Ora, os empresários querem continuar produzindo e lucrando, e assim resistem às exigências da legislação, que estabelecem maneiras menos agressivas e mais limpas (e caras) de explorar a natureza.
Conforme ressalta o professor Paulo Bessa Antunes:
“A ambigüidade das normas jurídicas destinadas à proteção do meio ambiente decorre, em grande parte, do fato de que elas existem como um compromisso entre o desenvolvimento das atividades econômicas que se utilizam de recursos ambientais – bens dotados de valor econômico – e a sua preservação que, em última análise, busca reservá-los para posterior utilização.”
Isto porque a sustentabilidade exige um freio na produção, pelo menos na velocidade da produção dos bens de consumo. Seriam necessárias mudanças significativas em todo o sistema produtivo, o que implica em alterar todo um modo de vida, tarefa que exige tempo e consciência.
Outro princípio essencial na compreensão do direito ambiental é o princípio da precaução, cujo fundamento constitui mesmo uma idéia chave.
Em se tratando de direito ambiental, o risco de um possível dano deve ser, de qualquer forma, evitado, pois o dano ambiental é quase sempre irremediável. Assim, cabe ao Poder Público e à sociedade evitar qualquer possibilidade de dano ambiental, já que neste ramo do direito as sanções não restabelecem por si o status quoanterior.
Costa Neto assim preleciona:
"O princípio da precaução tem como centro de gravidade a aversão ao risco, no sentido de que a ausência de certeza quanto à ocorrência de danos ambientais deve apontar para a adoção de providências capazes de impedir o resultado lesivo, obstando, se necessário, o desenvolvimento da atividade potencialmente poluidora." (grifos nossos)
Assim, a palavra chave deste princípio é a prudência, a cautela em relação às políticas ambientais. A instalação de indústrias, as novas tecnologias, o desenvolvimento econômico, tudo deve ser pensado de forma que não haja impacto ao meio ambiente – ou, se este for inevitável, que seja minimizado.
Portanto, incumbe ao Poder Público: (art.225, §1º):
IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V- controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente
VII- proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
Tem-se ainda o princípio do poluidor-pagador que enuncia a idéia, tal qual sugerida pelo nome, de que aquele que polui deve ser responsabilizado. Cumpre ressaltar que poluir, neste caso, deve ser compreendido como toda e qualquer forma de degradação ao meio ambiente, seja no ar, na água, no mar, no solo.
Podemos visualizá-lo no art. 225, §3º:
“as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados” (marcação nossa)
O princípio trabalha sob duas direções: deve-se evitar a ocorrência do dano (prevenção), e, se ele ocorrer, deve haver a sua reparação (correção). Desta forma, a atividade capitalista tem caráter extremamente maléfico ao meio ambiente, uma vez que o capitalismo se desenvolveu enquanto sistema arruinando a natureza. Muitas atividades econômicas, inclusive, para serem desenvolvidas normalmente, precisam poluir. Assim, quem degreda o meio ambiente tem que arcar com os prejuízos daí decorrentes.
O que se pretende é que se estipulem formas de fazer com que aquele que desenvolve atividade lesiva ao meio ambiente pague por isso – e isto de maneira preventiva, e não apenas na ocorrência do dano. A idéia é criar impostos próprios para essa categoria (como já ocorre em alguns países europeus), a fim de que as pessoas jurídicas que poluem – e que, portanto, geram danos à vida e à qualidade de vida da humanidade – arquem economicamente com estes prejuízos, e não apenas o Estado, como tem ocorrido até aqui.
Cristiane Derani, citada por Costa Neto explica esta idéia:
"(...) juntamente com o processo produtivo, além do produto destinado à comercialização, produzem-se 'externalidades negativas', assim chamadas porque 'são recebidas pela coletividade, ao contrário do lucro, que é percebido pelo produtor.' Isso ocorre, com freqüência, através do lançamento de resíduos poluentes nos cursos d' água, da emissão de gases tóxicos, entre outras práticas decorrentes da atividade produtiva."
Desta maneira, podemos perceber o aspecto cruel da degradação ambiental. Além da atividade industrial estar acabando com os recursos naturais, tende a acabar, como conseqüência, com a qualidade de vida de todos nós, que apesar de não lucrarmos com tal atividade, pagamos o preço pelo dano ambiental – seja com nossa saúde, seja através dos tributos que o Estado usa para tentar restaurar o que foi perdido. Mais um motivo para que todos participem efetivamente das decisões políticas do mundo.

Bibliografia:
ANTUNES, Paulo Bessa. Dano Ambiental: uma abordagem conceitual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002.
COSTA NETO, Nicolao Dino de Castro e. Proteção jurídica do meio ambiente – I Florestas. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005.
GOMES, Luís Roberto. Princípios constitucionais de proteção ao meio ambiente. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, nº50, 2001.1
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro.São Paulo: Malheiros, 2002.
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. São Paulo: Malheiros, 1995.

Informações Sobre o Autor

Tatiana Cotta Gonçalves PereiraProfessora de Direito da UFRRJ; Mestre em Direito da Cidade (UERJ)"

Fonte: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7350
Acesso: 18/08/2014

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