Na última semana do mês de julho, a imprensa noticiou que  os telefones fixos e os celulares de pelo menos dez advogados de defesa de ativistas denunciados pelo Ministério Público do Rio de Janeiro foram grampeados pela Polícia Civil durante o inquérito instaurado em junho do ano passado para apurar as ações violentas praticadas em manifestações na capital fluminense[i].
Não entrarei no mérito do caso, que não conheço, mas a partir dele, quero, em homenagem ao dia do advogado que foi comemorado na semana passada (11 de agosto), cuidar dessa importante garantia estampada clara e expressamente no sistema legal. A eventual quebra do sigilo das relações entre advogados e seus clientes não só viola a lei, como a Constituição Federal e também o Estado Democrático de Direito. Não se pode construir uma sociedade civilizada sem garantir a privacidade e  a intimidade das pessoas nas suas necessárias relações profissionais como a da advocacia.

Segredo e sigilo
Os termos segredo e sigilo são usados como sinônimos, mas, de fato, embora imbricados, têm conotações um pouco diversas. Ambos traduzem aquilo que não pode ser exposto publicamente, aquilo que não pode ser comunicado. Mas, o sigilo indica um dever legal, uma determinação para que o segredo seja mantido e que é conhecido como regra em várias profissões: na advocacia, na psiquiatria e na psicanálise, na medicina e até na confissão que é feita ao religioso (padre, bispo etc.). O jornalista, por exemplo, deve resguardar o sigilo de fonte quando as circunstâncias o exigirem. Entre nós, está estabelecido o sigilo fiscal e o sigilo bancário. Há também o sigilo das telecomunicações e o sigilo das correspondências, enfim, uma enorme gama de situações de segredos resguardada pelas leis.

Interesse público e segredo
Existem fatos que devem ser mantidos em segredo,  exatamente por causa do interesse público.
Há situações que naturalmente nascem bloqueadas. Vejamos alguns exemplos: nas licitações públicas para  venda de companhias estatais, deve ser guardado segredo das ofertas dos interessados; nos vários tipos de concursos públicos para ingressos nos cargos estatais  ou para ingresso no quadro da Ordem dos Advogados, ou na Magistratura, no Ministério Público e em todas as carreiras públicas em todos os níveis, as questões não podem tornar-se públicas antecipadamente (óbvio!); o mesmo se dá no Enad, nos vestibulares etc.; acaso o Ministro da Fazenda e seus subordinados resolvam baixar medidas que afetarão o câmbio ou a bolsa de valores, tais resoluções devem ser guardadas até que possam ser levadas a público; há um longo etc. de situações que devem permanecer em segredo. O fato é que o interesse público exige o segredo, algo que não é contestado.

Sigilo profissional
O sigilo profissional se impõe a certas pessoas que exercem atividades, que,  em função de suas especificidades e competências, possibilitam o conhecimento  de fatos que envolvem a esfera íntima e privada de outras pessoas (em alguns casos, como dos advogados, esses fatos dizem respeito a pessoas físicas e também jurídicas). Essas informações privadas são, como regra, fornecidas pelo próprio interessado (cliente, paciente, fonte) para que a relação profissional possa ter andamento. Pode se tratar de um cliente acusado de um crime, que deve revelar fatos para seu advogado; pode ser um paciente fazendo suas confissões no consultório do psiquiatra ou alguém confessando seus pecados a um padre; pode ser, também, um cliente recebendo diagnóstico de seu médico ou um jornalista colhendo informações de interesse público de uma fonte não revelada (e que ele promete resguardar) etc.
No Brasil, o sigilo profissional nasce no texto constitucional:
“É assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional” (inciso XIV do art. 5º da Constituição Federal – CF).
E é garantido em várias normas relacionadas às profissões específicas. Cito,  a título de exemplo, o Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que regula o tema nos artigos 25 a 27; refiro também o Código de Ética Médica, que  normatiza a questão nos artigos 73 a 79.
De maneira mais ampla o Código Civil também regula o sigilo no inciso I do  artigo 229, dispondo que “Ninguém pode ser obrigado a depor sobre fato: I – a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar segredo”. E, na mesma linha,  o Código Penal no seu artigo 154 já dispunha: “Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem: Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa”

Vê-se, pois, que é da essência do sistema constitucional e legal a salvaguarda do  sigilo profissional e, consequentemente, da inviolabilidade das comunicações entre o profissional e seu cliente. Afinal, quem é que poderia imaginar  uma relação entre um psiquiatra e seu paciente ou entre um advogado e seu cliente que não recebesse a proteção do sistema?.
Essa defesa legal é a mesma que a proteção da própria consciência individual, a mesma que o pensamento, este “locus”  inviolável  que, na história da humanidade,  tem gerado as torturas (algo, infelizmente, ainda presente). Digo isso, por que o sigilo profissional é simultaneamente uma garantia e uma interdição: uma garantia para quem oferece a informação e uma interdição para quem a recebe. O sigilo funciona assim como se as duas ou mais pessoas (mais de um cliente, mais de um profissional) fossem apenas uma, aquela que fala, confessa, entrega informações e dados etc.. Nem importa se a informação representa um segredo ou não, pois ela se torna sigilosa pelo simples fato de ter sido entregue durante a relação profissional estabelecida.
Simples assim: trata-se de um garantia fundamental, que deve ser respeitada para o bom funcionamento de uma sociedade democrática.

Fonte: http://terramagazine.terra.com.br/blogdorizzattonunes/blog/2014/08/18/o-sagrado-segredo/
Acesso: 18/08/2014